Tinha
punk de moicano e playboy de mocassim. Patricinha de olho azul e rasta de olho
vermelho. Tinha uns barbudos do PCO exigindo que se reestatize o que foi
privatizado e engomados a la Tea Party sonhando com a privatização de todo o
resto. Tinha quem realmente se estrepa com esses 20 centavos e neguinho que não
rela a barriga numa catraca de ônibus desde os tempos da brilhantina. Tinha a
esperança de que este fossse um momento importante na história do país e a
suspeita de que talvez o gás da indignação, nas próximas semanas, vá para o
vinagre.
Sejamos
francos, companheiros: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem os
políticos nem os manifestantes, muito menos este que vos escreve e vem, humilde
ou pretensiosamente, expor sua perplexidade e ignorância.
Anteontem,
depois da passeata, assisti ao "Roda Viva" com Nina Capello e Lucas
Monteiro de Oliveira, integrantes do Movimento Passe Livre. Ficou claro que,
embora inteligentes e bem articulados, eles tampouco compreendem onde é que
foram amarrar seus burros. "Vocês começaram com uma canoa e tão aí com uma
arca de Noé", observou o coronel José Vicente. Os dois insistiram que não,
o que há é um canoão, e as mais de 200 mil pessoas que saíram às ruas no
Brasil, segunda-feira, lutavam por transporte público mais barato e eficiente.
A posição dos ativistas de não se colocarem como os catalisadores de todas as
angústias nacionais e seguirem batendo na tecla do transporte só os enobrece, mas
estarão certos na percepção?
Duzentas
mil pessoas de esquerda, de direita, de Nike e de coturno por causa da tarifa?
"Por
que você tá aqui no protesto?", perguntou a repórter do "TV
Folha" a uma garota na manifestação do dia 11: "Olha, eu não consigo
imaginar uma razão para não estar aqui, na verdade", foi sua resposta.
Corrupção, impunidade, a PEC 37, o aumento dos homicídios, os gastos com os
estádios para a Copa, nosso IDH, a qualidade das escolas e hospitais públicos
são todos excelentes motivos para que se saia às ruas e se tente melhorar o
país, mas já o eram duas semanas atrás: por que não havia passeatas? Será
porque a chegada do PT ao poder anestesiou os movimentos sociais, dificultando
a percepção de que o Brasil vem melhorando, melhorando, melhorando e...
continua péssimo? Ou será porque agora o Facebook e o Twitter facilitam a
comunicação?
Se
as dúvidas sobre as motivações que brotam do solo minimamente sondável do
presente já são grandes, o que dizer sobre o futuro do movimento? Marchará ou
murchará? Caso cresça: conseguirá abaixar a tarifa? E, no longo prazo, terá
alguma relevância? Mais ainda: adianta ir às ruas, fazer barulho? Ou a própria
passeata extingue o impulso de revolta que a criou e voltamos todos para o
mundinho idêntico de todos os dias, com a sensação apaziguadora de que
"fiz a minha parte"?
Não
tenho a menor ideia, estou mais confuso que o Datena diante da enquete, mas num
país injusto como o nosso, em que a única certeza parecia ser a de que,
aconteça o que acontecer, Marco Feliciano agora peita e coage Dilma a não se
meter na cura gay. As dúvidas dos últimos dias persistem e devem fazer parte
das perguntas sem respostas que alimentam a existência dos ufólogos mundo
afora...