Em
minha juventude encontrei o País em distensão. Na aurora dos contagiantes anos
oitenta, testemunhei as grandes manifestações pela redemocratização. A
lembrança das “Diretas Já” me soa triste: na noite da derrota da emenda Dante
de Oliveira, cheguei em casa e vi minha família apreensiva sem ainda conseguir
perceber o curso poderoso das coisas para além de nossas vontades, aquilo que
se costuma chamar o espírito do tempo. Eram tempos de abertura. Que tempos são
os nossos, afinal?
Embora a Lei de Anistia resista e os agentes oficiais da repressão
continuem impunes, a Comissão Nacional de Anistia, bem como as estaduais, tem
feito nos últimos anos um trabalho incansável quanto ao resgate da significação
do Estado de Exceção por meio das indenizações laborais e pedidos de perdão às
vítimas. Entre 2012 e 2014, a Comissão Nacional da Verdade vasculhou os
escombros da nação e trouxe à tona um extenso relatório com recomendações, sem
a participação dos arquivos militares, que se recusaram a colaborar.
Houve já quem dissesse que fazemos a história, sim, mas não do
modo que queremos. Bingo. A passagem dos 50 anos da quartelada nem de longe
significou uma apropriação simbólico-narrativa do País a respeito da recente
violência de Estado. Bem ao contrário, poucos meses depois de apresentado o
relatório final da referida comissão, vimos estupefatos pelas ruas pedidos de
intervenção militar e o que antes era um envergonhado silêncio tornou-se um
agressivo discurso que retoma a narrativa da “gloriosa” que livrou o País dos
“comunistas”. E, pasmem, o governo é comunista e deu no que está dando!
Então, como um grito preso na garganta ecoa o reprimido brado
retumbante, a par de todo o assombroso roteiro de deposição do governo
legitimamente eleito, que vai do impeachment que também é um instrumento legal
e constitucional, pode passar pela renúncia de Dilma e quiçá chegar à
convocação de novas eleições.
O #NãoVaiTerGolpe avança finalmente como a dessublimação do “não
houve golpe”, “não foi golpe, foi revolução” e congêneres. Nunca antes na
história deste País, nem nos 50 anos de 64, o País assumiu tão desabridamente
seu passado de golpe e ditadura.
A população, assim como a minha família na década de 80 às portas
da redemocratização, acompanha incólume o desfecho do verdadeiro circo cujas
lonas se levantam em pleno eixo monumental aguardando os circenses adentrarem
ao picadeiro.
Resta saber quais serão as consequências disso tudo, afinal nos
tempos de Collor, o povo ainda estava no ritmo pós ditadura e não sabia brigar.
Lamentavelmente recordando os protestos recentes e a violência aplicada
neles dos dois lados contrários, realmente posso recordar Regina Duarte durante
a campanha eleitoral de 1990: Tenho medo de Lula, tenho medo do PT e da
capacidade de mobilizar o caos, quer esteja no poder ou brigando por ele!