sábado, 8 de agosto de 2015

Começou tudo errado

Quem pensa tratar-se da corrupção um problema contemporâneo, um invenção dos tucanos ou petistas ledo engano. A corrupção é um problema crônico no Brasil e, apesar de muitos atribuírem esse problema à falta de caráter daqueles que fazem parte de grupos representativos, como políticos e policiais, não podemos negar que mesmo nesses grupos existem pessoas que não se deixam corromper.

Quando se faz uma comparação entre o passado do Brasil e a situação presente, bastam-se apenas trocar os nomes do passado pelos que rondam os noticiários de escândalos políticos para se ter ideia que o enredo é o mesmo, o que mudou foram os nomes e cargos dos personagens.

Um exemplo não mais que pitoresco da raiz profunda da corrupção plantada desde os tempos de colônia, é de Francisco Targini, o Tesoureiro-mor de D. João VI, que é um caso exemplar de corrupção e impunidade nas altas esferas da administração pública.

Nascido em 1756, em Lisboa, Targini era filho de um italiano e começara a carreira numa casa de comércio como caixeiro, progredindo depois para guarda-livros. Na vida pública, seu primeiro cargo importante foi o de arrecadador de rendas da Província do Ceará.

Nomeado em 1783, lá permaneceu até 1799, malquistando-se com os governadores e ouvidores por seus excessos no combate a práticas administrativas desonestas, bradando honestidade e justiça para o povo.

Targini veio para o Rio com a corte em 1807, ao que parece, sua rápida elevação a homem forte das finanças teve o apoio de um poderoso grupo de negociantes ingleses. Depois de nomeado tesoureiro-mor, ele foi agraciado com o título de barão de São Lourenço, em 1811, e elevado a visconde, em 1819.

Um dos boatos que se contavam dizia respeito à compra de mantas para o Exército que Targini fizera a um fornecedor inglês. O hábil homem público teria mandado dividir cada uma das peça ao meio, revendendo-as depois ao governo pelo dobro do preço original.

Targini também passou à história por ter feito nomear diretor da Academia de Artes, em 1820, após a morte de Lebreton, um medíocre pintor português, Henrique José da Silva, e, como secretário, o padre Luís Rafael Soyé  que, , era um “velho eclesiástico espanhol, de origem francesa, sem honorabilidade nem compostura, poeta de água doce e parasita do ministro Targini, que se oferecera para trabalhar pela metade do preço”.

Homem rico, erário pobre este era o alerta nas cartas ao cunhado e ministro “Del Rey”, o conde de Linhares que apontava Targini como o homem mais corrupto da corte de D. João e recomendava sua demissão.

A ostentação de Targini era tamanha, que mesmo sendo pública a sua condição de ordenado modesto, seus bens contradiziam tamanha máxima que seu salário minguado lhe proviesse tantos mimos que o dinheiro do erário pudesse comprar e torna-lo um homem riquíssimo.

Nas agitações que antecederam a partida do rei, em 1821, Targini chegara a ser preso na Ilha das Cobras. Mas, segundo se disse, isso fora apenas para poupá-lo de agressões, tal era a sua impopularidade. Logo foi solto e embarcou rumo a Lisboa.

Houveram críticas por parte da imprensa pelo fato de o conde dos Arcos, principal ministro do regente, D. Pedro, ter dado por justas e liquidadas as contas do tesoureiro-mor e concedido passaporte para aquele se pôr ao fresco. O inquérito contra Targini, conduzido pelo conde dos Arcos, “estabeleceu a integridade do funcionário, a quem foi concedida uma pensão”.

De fato, Targini, quando chegou a Lisboa, em 1821, foi impedido de desembarcar, retirando-se para Paris. Ali viveu até morrer em 1827, certamente com tempo e dinheiro para gastar em suas obras de erudição.


Targini, que “roubava à grande”, ostentando seus ganhos inspirou a quadrinha popular que terminava dizendo: “Quem mais rouba e não esconde/ passa de barão a visconde”.
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