O Projeto de Lei 4.330 em
votação no Congresso Nacional que amplia a liberdade de terceirização do
trabalho chama a atenção para os seus aspectos mais visíveis e oculta o mais
grave deles.
É sabido que o projeto em questão tenta alterar o cânone jurídico
construído por anos de decisões da Justiça do Trabalho que se resumem na
vedação da terceirização das atividades fins e da responsabilidade solidária da
empresa terceirizadora.
O fim do modelo fordista encerrou quase um século de processo de
trabalho fragmentado em pequenas frações. A linha de montagem fordista criou
produção em massa a baixo custo. E criou também largas plantas que incorporaram
grandes volumes de trabalhadores. Alta identidade no perfil do trabalhador
inserido na linha de montagem levou a construção de sindicatos fortes.
Vencido o período que os franceses chamam de “trinta anos de ouro”,
quando a produtividade e, logo, a lucratividade mantiveram-se em índices
inéditos de crescimento, a segunda metade dos anos 70, a economia capitalista
mergulhou em uma crise de produtividade e em resultados econômicos
decrescentes. Neste momento, as grandes corporações passaram a buscar novos
processos de trabalho, romperam com o “pacto social” não declarado que
construiu direitos na negociação coletiva e financiou a construção do Estado de
Bem-Estar Social.
O processo de trabalho representa uma ruptura com o padrão de
contratação coletiva e regulação do mercado de trabalho ditado pelo
Estado. Além do que, a linha (quase centenária) foi substituída por
núcleos de produção que se complementam, tal qual os elos de uma corrente.
Estes podem ser transferidos para terceiros dentro ou fora do mesmo espaço
territorial.
O modelo flexível de processo de trabalho possibilita arranjos que podem
alterar, em velocidade inédita para a história da gerência científica, o que
hoje é atividade-fim — logo adiante será apenas em parte uma atividade-fim,
gerando novas atividades-meio.
Neste cenário, o mais recomendável, aos trabalhadores e empresários,
seria deixar à negociação coletiva a (re)definição destes conceitos à luz da
evolução tecnológica e concorrência. No cenário de sindicatos únicos pouco
representativos e empregadores resistentes a mediação sindical, deve-se admitir
que o TST tem feito o melhor que poderia ao tentar preservar a “cobertura”
normativa dos trabalhadores terceirizados.
O projeto de lei poderia ter remetido à negociação coletiva; poderia ter
exigido maior representatividade dos sindicatos — princípio, aliás, já previsto
na lei que regula as centrais sindicais —, mas optou pelo atalho de liberar a
terceirização das atividades-fim e, com isso, proceder a uma reforma na
representação sindical que pode constituir-se num verdadeiro estelionato legislativo.
A lei, por uma destas espertezas bacharelescas típicas da nossa
República, cria uma atividade econômica não prevista no Quadro de Atividades de
Ocupações do artigo 577 da CLT, CNES e Convenção de Bruxelas, que são as fontes
legais que classificam as atividades econômicas no Brasil: empresa prestadora
de serviço.
Qualquer atividade poderá ser terceirizada por uma empresa prestadora de
serviço. Ocorre que, atrás deste detalhe aparentemente menor veio uma grande
corrida para a criação de sindicatos de empregadores e trabalhadores de
empresas “prestadoras de serviço”. Logo, qualquer atividade terceirizada
retirará os empregados nesta atividade da proteção de Acordos e Convenções
Coletivas celebradas pelos sindicatos da atividade até então terceirizada.
Isto pode ter sido apenas sabujice dos quadros da CNI, mas é certo que a
sua adoção não atinge só os trabalhadores. Atinge também os sindicatos
patronais: algum destes quadros na cúpula deste sistema sindical assentado numa
burocracia pouco representativa perguntou para a indústria paulista, mineira ou
carioca se lhes interessava tal reforma sindical?
Numa economia que se faz produzir desigualdade social, alguém do
Congresso Nacional discutiu com a sociedade qual é o padrão de proteção social
e sindical que queremos para o futuro?