Em
116 anos desde a proclamação da República o Brasil só teve um parlamentar indígena:
Mario Juruna. Desde então nunca mais foi “Dia do Índio” no parlamento, mas os
“caciques” continuam por lá em pé de guerra.
Juruna
que no finzinho da década de 70 se tornara conhecido por empunhar um gravador
onde registrava as falsas promessas feitas por altos funcionários do governo. Dizia: “homem branco mente muito!”. E com o
passar dos anos parece que a coisa não mudou nada, afinal todos os dias vemos
os parlamentos, não só do Congresso Nacional, mas dos estaduais, a exemplo do
nosso Amapá, em ações nada republicanas.
Amiúde,
as coisas não têm mudado muito de lá pra cá, parlamentares enchem de vergonha
os eleitores que lhes confiaram seu bem democrático mais precioso: o voto. E a
retribuição vem em forma de “mensalão”, “mensalinho”, “jaraquis” e “jabás”,
acompanhados de toda a sorte de balangandãs ligados à má versação do erário
divulgados amplamente na mídia.
No
caso de Juruna em sua pudica inocência, até que incomodou tanto que acabou
eleito deputado federal pelo PDT de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, com mais de
30 mil votos, nas eleições de 1982.
Estando
no Congresso; tentaram de todo o jeito ridicularizá-lo e de transformá-lo num
bufão. Jô Soares, em seu programa humorístico na Globo, logo criou um índio que
mal sabia falar o português para que os telespectadores rissem dele. O general
João Baptista de Figueiredo, último presidente militar, foi o primeiro a rosnar
contra Juruna, dizendo que o Rio de Janeiro só tinha eleito “índios e cantores
de rádio”.
Juruna
reagia: “Quem não tem consciência, me trata como objeto, me trata como boneca.
E quando eu passo aqui dentro de plenário e alguns companheiros à frente de mim
e diz cara emburrada é ridículo. Eu não vim aqui fuxicar com ninguém, eu vim
aqui pra trabalhar, pra defender povo, eu vim aqui pra lutar. Eu quero que
gente começa a respeitar nome de Juruna”.
Mas
não deu outra, o brasileiro não leva a sério quem não tem cara de europeu e
fica bem de terno e gravata. Com isso o líder xavante que fora convencido a
entrar na política por Darcy Ribeiro, que denunciou a campanha contra o índio-deputado
feita sobretudo pela imprensa que achava mais bonito o biótipo do politico
empertigado do que do índio parlamentar.
Com
certa dose de inocência por não saber como as mazelas do parlamento conseguem
enodoar o coração de um homem, Juruna foi massacrado por tentar ser um parlamentar
dentro que aquilo que se espera eticamente do cargo. A oposição era tão
escancarada que até a imprensa mais respeitável do país (à época), a exemplo do
Jornal do Brasil, mantiveram durante anos, uma campanha sistemática de
desinformação contra o deputado Mário Juruna, através dos procedimentos mais
antiéticos, indignos da sua tradição jornalística.
No
dia da sua posse como deputado, em março de 1983, Juruna foi aplaudidíssimo, mais
até que Ulysses Guimarães. Decidido a só fazer seu primeiro discurso no Dia do
Índio, resolveu falar uns dias antes apenas para reclamar das alfinetadas de
Figueiredo. “Estou muito revoltado. Este presidente da República tem que fazer
serviço para garantir emprego ao povo brasileiro e não para fazer campanha de
calúnia contra as pessoas. Eu sou contra a repressão, contra a violência e
também contra a mentira e a sujeira. O presidente não pode falar besteira, que
é contra a eleição, que é contra mim, o governo federal quer ganhar eleições em
todos os Estados do Brasil, mas ele não vai ganhar a consciência do povo, do
homem carecido. O presidente não pode meter o pau em nenhum companheiro, em
nenhum deputado. Ele que salve o Brasil”.
No
dia 19 de abril, como prometido, subiu à tribuna e voltou à carga, valente, criticando
os ministros do governo militar e pedindo sua demissão. Em setembro de 1983,
iria além e chamaria os ministros de ladrões. “Todo ministro é a mesma
panelinha, é a mesma cabeça. Não tem ministro nenhum que presta. Pra mim todo
ministro é corrupto, ladrão, sem vergonha e mau caráter. Não vou dizer que todo
ministro é bom, legal e justo. Vou dizer que todo ministro é do mesmo saco que
aproveita o suor do povo trabalhador”.
Figueiredo,
furioso, chegou a pedir a cassação de Juruna, mas o deputado acabou recebendo
apenas uma censura por parte da Mesa. Em 1985, Mário Juruna denunciaria a
tentativa de Paulo Maluf de comprar seu voto no colégio eleitoral. Devolveu o
dinheiro e votou em Tancredo Neves. Desgostoso com a política após não
conseguir se reeleger em 1986, Juruna morreu em 2002, vítima de diabetes. O
único índio deputado morreu pobre e esquecido, mas não se vendeu!