quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A Ilíada e a Odisseia senatorial

Em uma visita ao senado, que mesmo sem os senadores presentes por causa do recesso branco, funciona normalmente. A gente acaba encontrando alguns itens pitorescos que incitam a mente a questionar o porquê de certas excrescências no âmbito do poder.

Uma delas foi um alfarrábio que me enfiaram goela abaixo, impresso em papel “pólen bold” de excelente qualidade (o papel, é claro), que discorria sobre a atuação incessante de um senador amapaense, seus feitos grandiosos, suas façanhas internacionais e sua luta pela democracia!

Fico imaginando na riqueza do impresso, nas laudas e laudas de linguiças enchidas com loas e loas e loas a este épico herói amapaense. Não sei de onde sai tanta inspiração para uma composição quase camoniana. Mas sabemos sim de onde sai o recurso para fazer as rotativas da gráfica do senado prensar tal marmota.

A resposta vem de uma reflexão de quanto tempo gastamos uma vez por ano diante de uma tela de computador, suando para decifrar os comandos de um idioma estranhíssimo, cujo vocabulário inclui “declaração de ajuste”, “tributação suspensa” ou “extrato Dirpf” em nossas declarações de imposto de renda.

Dos temores quase bíblicos que temos da malha fina; uma entidade mais aterradora que o próprio diabo. Produtos da nossa Receita Federal que tudo sabe sobre os caraminguás de cada um de nós, que enfia as mãos no nosso bolso, vasculha nossas contas bancárias, pergunta detalhes da nossa condição conjugal, separa nossos centavos de um lado para outro e, depois, pega a bolada que bem entende.

Pelas bandas de “acá” nós sabemos quanto custou ganhar os reais que vão embora para Brasília na velocidade da luz. E em Brasília, no entanto, parece que eles não têm a mesma noção. Já que a natureza destes impressos pagos a expensas do reles contribuinte entra na conta dos dispêndios pantagruélicos torrando sem dó nem piedade as horas de trabalho de milhões de brasileiros.

Entre todas, uma das mais criativas é essa modalidade de patrimonialismo, um patrimonialismo pós-moderno, que consiste em empenhar recursos do Erário para financiar publicidade do politico. Se pensar muito nisso, a pessoa física tentará arrancar os minguados cabelos que não foram tributados.

A cada ano, os governos todos, municipais, estaduais e federal, numa raríssima unanimidade suprapartidária, consomem em conjunto alguns bilhões de reais para promover espetacularmente o que consideram seus grandes feitos.

Fazem publicidade paga de si mesmos, com o único objetivo de ganhar votos. Mas quem paga a conta são as milhões de pessoas físicas com trabalho honesto. Pense bem; quantos brasileiros enfrentaram jornadas extenuantes para financiar não só essas luxuosas brochuras, mas também os filmetes que vemos volta e meia a saracotear em horário nobre televisivo, nos quais as autoridades públicas posam alegres e saltitantes como se fossem um elenco de novela das 9.

É justo que as economias de tantos milhões de pessoas físicas sejam consumidas assim, sem a menor cerimônia, para atender a interesses meramente partidários de tão poucos? Fazer o quê? Protestar nas ruas de novo e ver que o que se recebeu foi um recesso branco que mais parece o avestruz que enterra a cabeça para não ver o povo clamar? Ou as propostas milagrosas apresentadas pela presidente, já nasceram fadadas ao sepultamento?

Então meu caro leitor, vamos continuar a financiar estas epopeias de nossos bravos políticos. Deixemos que palmo a palmo disputem com Homero, Virgílio, Dante ou Camões a imortalização de seus bravos feitos, ilustrados nas capengas fotografias que personificam os quase deuses. Sendo que nós pobres mortais oferecemos em holocausto todo santo ano as nossas contribuições ao fisco para perpetuar este olimpo de deuses para quem ninguém mais reza, apenas atura suas imagens moldada em barro, dos pés a cabeça!
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...