Dois dias depois de sair do hospital e ainda se recuperando da primeira sessão de quimioterapia para tratar de um câncer na laringe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contrariou a ordem médica de falar pouco. Na manhã de quinta-feira, ligou “iradíssimo” para o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para se queixar dos resultados brasileiros no Relatório de Desenvolvimento Humano, apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) na última quarta-feira.
A bronca de Lula, desgostoso com os números que mostraram um avanço tímido do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), movimentou Brasília. À tarde, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, reuniu-se com a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, para acertar uma resposta ao Pnud. Em seguida, Tereza convocou, às pressas, uma coletiva de imprensa, na qual reclamou de dados defasados do país utilizados no cálculo do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) — e não no IDH — e afirmou que o governo brasileiro desconhece a metodologia da pesquisa, embora o país participe do levantamento desde a primeira versão, em 1990.
Tereza destacou serem de 2006 os dados utilizados para chegar ao IPM — que mede privações de serviços essenciais independentemente da renda, apontando 2,7% da população brasileira com necessidades graves. “Foi a partir de 2007 que se incorporou um contingente grande do Bolsa Família, que houve a valorização do salário mínimo, o programa de agricultura familiar integrada ao programa de alimentação escolar, melhoramos o acesso à energia com o Luz para Todos. Então, se esses avanços fossem computados, certamente teríamos um salto muito maior”, disse a ministra, sem precisar quantas posições o Brasil subiria no IPM caso os progressos mais recentes estivessem no cálculo do Pnud, exatamente por não “conhecer a metodologia”.
A ministra tampouco não soube explicar os motivos que levaram as Nações Unidas a não considerar estatísticas atualizadas, depois de uma solicitação nesse sentido que o governo brasileiro teria feito no início deste ano. “Por que (os dados) não foram incorporados? É uma boa pergunta”, limitou-se a declarar.
A ministra Tereza Campello negou, entretanto, que a motivação para uma coletiva de última hora sobre o assunto tenha vindo de queixas de Lula, sugerindo desconhecer o telefonema dado pelo ex-presidente a Gilberto Carvalho. Mas a versão não se sustentou. “O presidente Lula nos deu um telefonema iradíssimo sobre os números do Pnud, dizendo que não era justo, e que a gente tinha que reagir”, comentou Carvalho, durante um seminário internacional com o embaixador da Itália, no Palácio do Planalto.
O ex-presidente não teria concordado com os critérios considerados pelos técnicos do Pnud. Falando como se estivesse no governo passado, quando era chefe de gabinete de Lula, Carvalho disse que o ex-presidente teria cobrado uma crítica aos dados. “O presidente ficou preocupado com a primeira visão que houve, nós estamos o colocando a par de tudo que aconteceu. Ele está bem, vigilante e acompanhando cada fato.”
O secretário-geral também defendeu que os parâmetros da pesquisa não retratariam a realidade brasileira. “Com todo o respeito, entendemos que vale a pena uma discussão em torno da metodologia usada. Temos consciência de que nossos indicadores sociais cresceram e seguem crescendo. Nossos técnicos vão sentar com os técnicos do Pnud para discutir isso”, adiantou Carvalho.
Ainda durante o seminário, Carvalho deu outro exemplo de como a atuação de Lula no governo, especialmente com a presidente Dilma Rousseff, continua firme. “No dia em que fomos visitá-lo no hospital, mal a presidente entrou, ele já começou a falar como ela tinha que se comportar no G-20, o que tinha de dizer (...) Está atento e vigilante a tudo”, destacou o secretário-geral.
Nota Final:
A revista semanal inglesa The Economist trouxe um artigo sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as implicações políticas do diagnóstico do câncer na laringe. O texto faz uma comparação na divulgação da doença de Lula e do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que optou por mantê-la em sigilo. A revista só não explica o por que de Lula achar que nosso IDH é tão bom, mas tão bom que ele não foi se tratar no SUS.