sábado, 30 de novembro de 2013

Luis Vaz de Camilo

“As armas e os barões assinalados, que da Ocidental praia Lusitana, por mares nunca dantes navegados...”  Não. Não vamos insultar Camões; afinal a abertura do Canto I de Os Lusíadas, não seria o prólogo mais adequado para a epopéia vivida pelo Amapá nos últimos três anos. Talvez uma adaptação livre de outro grande letrista tupiniquim seja mais apropriada.

“Nunca na história deste estado se mentiu tanto, para tantos em tão pouco tempo”. Talvez esta seja a síntese da terra milagrosa, da qual os bardos não darão conta de versar, por tantas e tantas façanhas eloquentes bradadas pelo governo do estado via qualquer mecanismo audiovisual disponível.

Afinal em três anos praticamente se reinventou um estado como nunca se havia feito nem nos tempos da Província do Pará. Praticamente vivemos em uma Pasárgada ou quem sabe mais modestamente em uma Suécia, com um pequeno detalhe: nenhum amapaense conseguiu ainda desfrutar de todo este maravilhoso mundo cantado em prosa e verso por redes sociais, pelo radio, televisão e até em bocas de Matilde.

Mas para se chegar a uma realidade rapidamente, basta-se exumar os fatos para dissecá-los e desmontar assim uma vasta rede de tapeação assinada desde a posse de Camilo até os momentos atuais. Afinal não é todo dia que surge um messias para salvar a terra arrasada que foi pintada em tempos não muito distantes, mas que ao que parece continua mais arrasada do que no princípio.

Vale lembrar que este “grande estadista”, como um Luis Frances, que se afeiçoa aos pobres e caminha com eles junto com sua ampla corte pelas pontes e alagados do jandiá, para posar para a melhor pose que lhe favoreça, para que assim possa disseminar a grande façanha de ter tirado o Amapá da Amazônia oriental e transladada a um mundo maravilhoso, quase uma Disney tucuju.

E que também este messiânico homem evangeliza seus discípulos a crer que podem inclusive caminhar sobre as águas, mas que águas se o povo tem sede e não há água. Não. Não na terra prometida que se vive hoje. Ao nesta terra onde nada falta, onde nesta Suécia brasileira, os serviços de saúde são um exemplo a ser seguido. Onde professores e médicos são respeitados com mesura japonesa.

Então por que não disseminar este modelo? Este exemplo de Brasil perfeito, que de tão perfeito se pergunta: oposição pra que? Já que tudo o que contradiz estes épicos feitos, esta odisséia amapaense, não passa de coisa de gente desocupada, que não tem o que fazer por que tudo está perfeito e nada precisa ser mudado.

Sabiamente então já que a educação está perfeita, a saúde quase não tem quem atender por que o povo vive pujantemente e por isso não adoece, que os índices de criminalidade são de no máximo uma briga de vizinhos. Então peguemos o dinheiro que sobra às pipas nestas pastas de serviços inúteis, joguemos-lho para fomentar o que se tem de melhor: a propaganda desta terra perfeita.

Com isso, vários outros bardos maiores começam a entoar loas a esta terra maravilhosa e os feitos épicos deste herói, uma reencarnação de Vasco da Gama, não o time, mas o comandante da saga de Camões. E é claro que com tantos cobres disponíveis a tilintar nas burras de tão eloquentes bardos, nacionalmente nosso herói tucuju desponta como o salvador do mundo, o messias prometido, o salvador da terra arrasada do Amapá. Dar-lhe-ei então o título de Deidade do ano!

Pois estalando dedos e a cada estalo, seus discípulos fiéis começam a realizar milagres, da multiplicação a cura divina, pois sois quase deuses a caminhar e distribuir benesses por todos os cantos. Quem sabe uma onça aqui uma acolá, nada que um agrado não acalente as dores de um povo tão carente.

Mas... Vem a pergunta: qual a necessidade de distribuir tantos mimos? Tantas benesses se vivemos na Suécia amazônica? Eis que então cai por terra a saga de nosso herói e todos os seus milagres voltam ao sopé da montanha e tudo some e tudo murcha e a realidade dura das obras inacabadas, dos hospitais cheios e nenhum alento de médico ou remédio, das crianças a merendar uma sorrateira bolacha Maria que a broca ainda não furou e a engolir junto com aquele velho concentrado colorido de água com açúcar.

Eis que o povo cego poderá dizer um dia: eu vejo a luz! Pena que tarde demais, pois o falso profeta já se apossa de todo e qualquer vestígio de dignidade que a população possa ter, e com isso final do verso de Camões se aplica ao trovar: “Cantando espalharei por toda a parte Se a tanto me ajudar o engenho e arte”. E Camilo canta, espalha suas façanhas mesmo que de mentirinha, enquanto isso o amapaense dança, não se sabe por quanto tempo...
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