“As armas e os barões assinalados, que
da Ocidental praia Lusitana, por mares nunca dantes navegados...” Não. Não vamos insultar Camões; afinal a
abertura do Canto I de Os Lusíadas, não seria o prólogo mais adequado para a
epopéia vivida pelo Amapá nos últimos três anos. Talvez uma adaptação livre de
outro grande letrista tupiniquim seja mais apropriada.
“Nunca na história deste estado se
mentiu tanto, para tantos em tão pouco tempo”. Talvez esta seja a síntese da terra milagrosa, da qual
os bardos não darão conta de versar, por tantas e tantas façanhas eloquentes bradadas
pelo governo do estado via qualquer mecanismo audiovisual disponível.
Afinal
em três anos praticamente se reinventou um estado como nunca se havia feito nem
nos tempos da Província do Pará. Praticamente vivemos em uma Pasárgada ou quem
sabe mais modestamente em uma Suécia, com um pequeno detalhe: nenhum amapaense
conseguiu ainda desfrutar de todo este maravilhoso mundo cantado em prosa e
verso por redes sociais, pelo radio, televisão e até em bocas de Matilde.
Mas
para se chegar a uma realidade rapidamente, basta-se exumar os fatos para
dissecá-los e desmontar assim uma vasta rede de tapeação assinada desde a posse
de Camilo até os momentos atuais. Afinal não é todo dia que surge um messias
para salvar a terra arrasada que foi pintada em tempos não muito distantes, mas
que ao que parece continua mais arrasada do que no princípio.
Vale
lembrar que este “grande estadista”, como um Luis Frances, que se afeiçoa aos
pobres e caminha com eles junto com sua ampla corte pelas pontes e alagados do
jandiá, para posar para a melhor pose que lhe favoreça, para que assim possa
disseminar a grande façanha de ter tirado o Amapá da Amazônia oriental e
transladada a um mundo maravilhoso, quase uma Disney tucuju.
E
que também este messiânico homem evangeliza seus discípulos a crer que podem
inclusive caminhar sobre as águas, mas que águas se o povo tem sede e não há
água. Não. Não na terra prometida que se vive hoje. Ao nesta terra onde nada
falta, onde nesta Suécia brasileira, os serviços de saúde são um exemplo a ser
seguido. Onde professores e médicos são respeitados com mesura japonesa.
Então
por que não disseminar este modelo? Este exemplo de Brasil perfeito, que de tão
perfeito se pergunta: oposição pra que? Já que tudo o que contradiz estes épicos
feitos, esta odisséia amapaense, não passa de coisa de gente desocupada, que
não tem o que fazer por que tudo está perfeito e nada precisa ser mudado.
Sabiamente
então já que a educação está perfeita, a saúde quase não tem quem atender por
que o povo vive pujantemente e por isso não adoece, que os índices de
criminalidade são de no máximo uma briga de vizinhos. Então peguemos o dinheiro
que sobra às pipas nestas pastas de serviços inúteis, joguemos-lho para
fomentar o que se tem de melhor: a propaganda desta terra perfeita.
Com
isso, vários outros bardos maiores começam a entoar loas a esta terra
maravilhosa e os feitos épicos deste herói, uma reencarnação de Vasco da Gama,
não o time, mas o comandante da saga de Camões. E é claro que com tantos cobres
disponíveis a tilintar nas burras de tão eloquentes bardos, nacionalmente nosso
herói tucuju desponta como o salvador do mundo, o messias prometido, o salvador
da terra arrasada do Amapá. Dar-lhe-ei então o título de Deidade do ano!
Pois
estalando dedos e a cada estalo, seus discípulos fiéis começam a realizar
milagres, da multiplicação a cura divina, pois sois quase deuses a caminhar e
distribuir benesses por todos os cantos. Quem sabe uma onça aqui uma acolá,
nada que um agrado não acalente as dores de um povo tão carente.
Mas...
Vem a pergunta: qual a necessidade de distribuir tantos mimos? Tantas benesses
se vivemos na Suécia amazônica? Eis que então cai por terra a saga de nosso herói
e todos os seus milagres voltam ao sopé da montanha e tudo some e tudo murcha e
a realidade dura das obras inacabadas, dos hospitais cheios e nenhum alento de
médico ou remédio, das crianças a merendar uma sorrateira bolacha Maria que a
broca ainda não furou e a engolir junto com aquele velho concentrado colorido
de água com açúcar.