sábado, 2 de maio de 2015

A dengue, a biotecnologia e nossos medos

A epidemia de dengue está avançando em 2015, e mais de 100 casos foram registrados até o meio de fevereiro –mais que o dobro do mesmo período no ano anterior. Diante desse cenário, autoridades públicas parecem já entrar em caso de desespero.

Ainda nem está muito claro por que a doença teve um crescimento tão alto após um ano de estiagem –no qual as populações de mosquitos deveriam ter diminuido–, mas prefeitos e governadores do Sudeste, onde a atual epidemia é pior, já cogitam apelar para medidas de eficácia duvidosa na esperança de conseguir alguma coisa.

Em São Paulo, o Instituto Butantan tenta antecipar a distribuição de sua vacina experimental de dengue, que ainda não passou pela chamada fase 3 de testes –aquela que efetivamente avalia a eficácia da doença.

Os governos buscam se eximir de culpa e responsabilizam as prefeituras pela epidemia, é louvável. Mas incentivar que a fase 3 de um teste clínico seja "pulada" é algo que precisa ser bem planejado. A vacina já passou pela fase 1, que avalia segurança, mas ainda assim existe um risco de que o carro vá parar na frente dos bois.

A taxa de sucesso de uma vacina experimental que entra em ensaios clínicos é extremamente baixa, cerca de 6%. Quando chega à fase 3, a probabilidade de sucesso aumenta, mas ainda há grande incerteza sobre risco de fracassar. Como então promover uma campanha de vacinação e convencer as pessoas a terem inoculado em seus organismos um imunizante que pode funcionar, mas pode não funcionar?

É estranho que pouca gente até aqui tenha levantado a voz contra isso, e não está claro se de fato será possível fazê-lo. Mas, se a ideia é empregar todos os recursos contra a dengue, por que o governo não se concentra em turbinar as medidas para combater o mosquito, algo que tem uma eficácia sabida.

A palavra "vacina", aqui no Brasil, é carregada de conotação positiva, muito mais do que a palavra "inseticida", que remete a toxicidade. E pouca gente para para pensar que usar um imunizante de estágio experimental em larga escala é algo que se trata de um experimento "biotecnológico". Essa outra palavra, também, está carregada de um certo receio no imaginário do público, em parte herança das campanhas contra produtos transgênicos no início do século.

Um outro experimento biotecnológico para combater a dengue está sendo feito não com humanos, mas com um mosquito que até pode ser vagamente chamado de "transgênico". É basicamente um inseto macho estéril produzido em condições de laboratório, que é lançado ao ar para buscar as fêmeas e sabotar a reprodução do mosquito selvagem.
Em testes preliminares na Bahia, a empresa britânica Oxitec, que desenvolveu o inseto geneticamente modificado, obteve bons resultados. E no mês passado a companhia anunciou uma parceria com a prefeitura de Piracicaba, no interior paulista, para ampliar seus testes.

As palavras "biotecnologia" e "transgênico", porém, parecem ter feito acender o sinal de alarme no Ministério Público Estadual, que pediu a suspensão temporária dos planos para o teste. Mesmo com o mosquito da Oxitec já tendo passado por uma avaliação de segurança da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) e três testes iniciais de eficácia, a promotora Maria Christina Marton de Freitas exigiu explicações sobre "quais as razões técnicas que justificam a adoção do uso de biotecnologia experimental em Piracicaba".

É importante que o Ministério Público, uma instituição essencial para a democracia brasileira, tenha liberdade de questionar o que quer que seja no intuito de promover justiça. Seria interessante, porém, que promotores dialogassem mais com as autoridades sanitárias federais e o próprio Butantan. As razões técnicas que justificam o uso de biotecnologia experimental em Piracicaba, afinal, são as mesmas que justificam que uma vacina sem dados de fase 3 seja distribuída em grande escala.

Resta saber quais riscos e benefícios finais o mosquito da Oxitec poderá proporcionar quando aplicado em grande escala. Mas é razoável imaginar que, em se tratando de uma medida experimental, é melhor experimentar com mosquitos estéreis machos que nem sequer picam do que com seres humanos.
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