A
crise político-econômica do país pode ter consequências ainda mais profundas,
devido ao acirramento dos discursos dos governistas e da oposição, que têm
revelado um lado violento nos embates e discussões. Observamos assustadora
mudança cultural dos brasileiros, cuja índole solidária, pluralista e serena,
presente inclusive em numerosas eleições e momentos de intenso debate
partidário-ideológico, está sendo substituída rapidamente pela intolerância e
truculência.
O
direito de opinar está sendo patrulhado nas redes sociais e se convertendo em
objeto de intimidação das pessoas. No Congresso Nacional, nas empresas e nas
redes sociais, não faltam histórias e casos de agressão verbais e até físicas,
envolvendo indivíduos que se dizem comprometidos com a ética e a democracia.
Aqui no Amapá, nem se fale no número de casos, até eu já entrei no balaio.
De um
lado, vemos uma minguada base aliada do governo, que defende ferrenhamente o
mandato da presidente Dilma Rousseff. De outro, uma oposição renovada, que
ganha forças com o impeachment. Porém, o debate político, de ambos as partes,
transcende ao espírito republicano, revestindo-se de exagerada agressividade e
agressões morais e físicas. Muito preocupante é como a população está cada vez
mais contaminada por esse embate truculento, que não interessa à democracia e
muito menos à sociedade.
A política
pode até mesmo ser paixão, pois isso é inerente ao ser humano. Porém, não pode
fomentar o ódio. Na fronteira entre os dois sentimentos, nota-se preocupante
mudança de um paradigma cultural dos brasileiros. As sessões do Legislativo
lembram as brigas de torcidas organizadas. Nas redes sociais, o debate
democrático deu lugar à barbárie, com trocas de ofensas pessoais, insultos e
ameaças. Veem-se pessoas que justificam o emprego da tortura (um crime no
Brasil!), pedem a volta da ditadura militar, fazem apologia ao estupro como
prática educativa e defendem que o adversário deveria ser exterminado
(genocídio?).
Segundo
uma pesquisa recente, uma em cada cinco pessoas diminui seu contato com amigos
na vida real devido a brigas nas redes sociais. E 19% dos 2.698 entrevistados
admitiram ter bloqueado ou cancelado amizades por causa de discussões virtuais.
É triste constatar que a violência tomou o lugar do uso da razão e que a
intolerância com quem pensa diferente transforma amigos e parentes em inimigos
e colegas de trabalho em adversários.
Estamos
na contramão da história, já que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o
mundo organiza-se para a construção da paz. O Brasil sempre teve papel
importante na mediação de acordos multilaterais, exatamente devido à vocação de
nosso povo e governantes para o diálogo. Talvez tenhamos esquecido de que
fazemos parte de uma nação e queremos que ela supere suas dificuldades, para
que todos nós, brasileiros e estrangeiros que aqui vivemos, tenhamos vida digna
e progresso social e harmonia.
O
debate político e o contraste das ideias e ideologias são enriquecedores e
contribuem para o fortalecimento da democracia. Porém, digladiando-se com
crescente agressividade, os políticos têm dado um mau exemplo. Eles deveriam
cumprir melhor o papel de mediadores das relações entre o Estado e a sociedade
e guardiões dos princípios republicanos, postura básica de quem recebe um
mandato público.
É
premente pacificar os ânimos. O PIB, os empregos e os investimentos voltarão a
crescer, pois toda crise tem fim, afinal "Não há mal que sempre dure, nem
bem que se não acabe", escreveu Gabriel Garcia Marques em “Cem anos de
solidão”. No entanto, será muito difícil reverter a ruptura em curso no grau de
tolerância dos brasileiros. Precisamos reaprender a conviver com as diferenças
sem cair na subversão.