quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Os "do Contra"

Durante esta semana um fato curioso martelou-me o juízo. Se toda a bancada de senadores do Amapá manifestou-se como oposição aberta tanto a gestão de Dilma Roussef e de Waldez Góes, que fruto isso rende a um dos estados mais isolados dos centros do poder?

Afinal cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se confundem e não faltará quem diga – pois dizem mesmo sem ser certo – que todos, governo e oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo “políticos”. E o que se pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens pessoais, quando não clientelismo e corrupção?

Diante do autoritarismo era mais fácil fincar estacas em um terreno político e alvejar o outro lado. Na situação presente, as dificuldades são maiores. Isso graças à convergência entre dois processos não totalmente independentes: o “triunfo do capitalismo” entre nós (sob sua forma global, diga-se) e a adesão progressiva – no começo envergonhada e por fim mais deslavada à nova ordem e a suas ideologias.

Uma complexidade crescente a partir dos primeiros passos do governo Dilma que, com estilo até agora contrastante com o do antecessor, pode envolver parte das classes médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos e da publicidade desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva diante de Lula. Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele, seja por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo anterior.

Quanto a Waldez, ainda é cedo para avaliar a consistência de mudanças no estilo de governar, já que os tempos são outros e o clima e a temperatura do momento são bem diferentes dos mandatos já exercidos. Estamos no início do mandato e os sinais de novos rumos dados até agora são insuficientes para avaliar o percurso futuro.

Antes de especificar estes argumentos, esclareço que a maior complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual é comparando com o que ocorreu no regime autoritário, e mesmo com o petismo durante o governo FHC, pois o PT mantinha uma retórica semianticapitalista que não diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos valores, para que não se perca no oportunismo nem perca eficácia e sentido, aumentando o desânimo que leva à inação.

É preciso, portanto, refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento da derrota: uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta de autocrítica e insistir em escusas que jogam a responsabilidade pelos fracassos no terreno “do outro”. Não estou, portanto, utilizando o que disse acima para justificar certa perplexidade das oposições, mas para situar melhor o campo no qual se devem mover.


O mesmo aconteceu no Amapá quando o “socialismo de gaveta” assumiu o governo e teve ações incoerentes combatidas pelo ex-senador Gilvam Borges que conseguiu mobilizar um bloco de oposição multipartidário e ainda assim conseguir coesão de se opor não por se opor, mas sim com um projeto de governo futuro que acabou se concretizando na última eleição.

Já em nível nacional, segmentos numerosos das oposições de hoje, mesmo no PSDB, aceitaram a modernização representada pelo governo FHC com dor de consciência, pois sentiam bater no coração as mensagens atrasadas do esquerdismo petista ou de sua leniência com o empreguismo estatal.

Não reivindicaram com força, por isso mesmo, os feitos da modernização econômica e do fortalecimento das instituições, fato muito bem exemplificado pela displicência em defender os êxitos da privatização ou as políticas saneadoras, ou de recusar com vigor a mentira repetida de que houve compra de votos pelo governo para a aprovação da emenda da reeleição, ou de denunciar atrasos institucionais, como a perda de autonomia e importância das agências reguladoras.

O estupendo sucesso da Vale, da Embraer ou das teles e da Rede Ferroviária sucumbiu no murmúrio maledicente de “privatarias” que não existiram. A política de valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco e se firmou no do PSDB, virou glória do petismo que era oposição ferrenha a tudo isso!

As políticas compensatórias iniciadas no governo do PSDB – as bolsas – que o próprio Lula acusava de serem esmolas e quase naufragaram no natimorto Fome Zero – voltaram a brilhar na boca de Lula, pai dos pobres, diante do silêncio da oposição e deslumbramento do país e… do mundo!

As vozes dos setores mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto, nos muros do Congresso e este perdeu força política e capacidade de ressonância. Os partidos se transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso.

Neste sentido, diminuiu o papel político dos governadores, bastião do oposicionismo em estados importantes, pois a relação entre prefeituras e governo federal saltou os governos estaduais e passou a se dar mais diretamente com a presidência da República, por meio de uma secretaria especial colada ao gabinete presidencial.

Então, ainda havia indignação diante das denúncias que a mídia fazia e os partidos ecoavam no Parlamento. Pouco a pouco, embora a mídia continue a fazer denúncias, a própria opinião pública, isto é, os setores da opinião nacional que recebem informações, como que se anestesiou. Os cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada mude. Diante deste quadro, o que podem fazer as oposições?

Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade. É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em geral.

As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental.


No parlamento estadual não é diferente, criou-se um miclobloco de oposição, cujo único papel pelo jeito será de dizer não a tudo o que for proposto pelo governo. E pelo andar da carruagem o bloco senatorial do Amapá vai fazer o mesmo papel de do “Do Contra”, aquele personagem de Maurício de Sousa, que para tudo o que é proposto ele é contra, apenas por ser, mas sem nenhuma justificativa plausível, bloqueando e empurrando, com que motivo não se babe ao certo, mas com certeza não deve ser para o Amapá...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

E Monteiro Lobato sempre teve razão...

Analisar a crise da Petrobras sob a ótica da gestão de crises, neste momento, torna-se tarefa difícil. Primeiro, porque não se conhece ainda toda a extensão do que já está sendo chamado “o maior caso de corrupção da história do país”. Muito menos todos os efeitos dessa crise nos resultados e na reputação da empresa. Segundo, porque não está bem claro, até por falta de esclarecimentos da empresa, qual a defesa da diretoria para as denúncias feitas pelos acusados, que se beneficiavam dos grandes contratos da companhia.

Como analisar essa crise, se ainda faltam tantos elementos para realmente sabermos o que aconteceu? Além disso, não se sabe até onde irão as investigações da Operação Lava Jato.

Se no mensalão, as cifras da CPI dos Correios eram de “milhões”, com o estrago na reputação de políticos, empresários e demais envolvidos, como conhecemos, agora o que emerge das delações premiadas são “bilhões” de reais. A Polícia Federal calcula que o esquema teria movimentado cerca de R$ 10 bilhões, há vários anos. O banco americano Morgan Stanley calculou que as perdas da Petrobras com os desvios podem chegar a R$ 21 bilhões, com base nas declarações do ex-diretor Paulo Roberto Costa, ao confessar propinas de até 3% sobre o faturamento dos últimos anos.

Portanto, as dimensões dos desvios são incomparavelmente maiores do que as do mensalão. Delatores falam em propinas de R$ 200 milhões a operadores do PT, PMDB e PP. O que leva a questionamentos que transcendem as apurações do Ministério Público e da Polícia Federal.

Não custa perguntar. O que faziam a Auditoria Interna, a Gerência de Controladoria e a área de Compliance da Petrobras, desde 2003, como revela a história pregressa do “Paulinho”, amigo e íntimo de políticos e até do ex-presidente Lula; e a de seus colegas diretores? Como esses órgãos explicam que diretores e gerentes da empresa, responsáveis por áreas que gerenciavam obras de bilhões de reais, pudessem, à revelia do presidente, da diretoria e do conselho de administração desviar tantos recursos, durante anos, sem que nenhum desses colegiados desse um sinal de alerta?

Afinal, eles auditavam o quê? Sob esse prisma, podemos admitir que coisas muito piores podem ter acontecido na estatal, sem que ainda se saiba. Ou sem que os órgãos de controle da empresa tivessem tomado conhecimento. O que mais irá aparecer? Os empregados titulares desses órgãos não deveriam responder por “gestão temerária” ou outro tipo de crime ao não alertar a direção da empresa para os malfeitos da quadrilha?

Não seria demais também inferir que, se diretores e gerentes, como os até agora acusados e presos, além de outros suspeitos de receberem propina, conseguiram “operar” um megaesquema de corrupção, o que não teria acontecido ou está acontecendo com os peixes miúdos, que fazem licitações menores, patrocínios, promoções e demais compras da empresa?

Quem garante que esses negócios estejam corretos? Ou seja, o esquema de corrupção escancarou uma dúvida para o mercado, acionistas, fornecedores: como é conduzida (e quem fiscaliza) a gestão financeira da Petrobras, diante do que está sendo revelado? Qual a garantia para o mercado de que falhas semelhantes não mais ocorram? Um único gerente, Pedro Barusco, subordinado ao diretor Renato Duque (este, segundo a imprensa, indicado por José Dirceu), demitido e preso na 7ª. fase da operação Lava-Jato (gerente este que aceitou delação premiada) fechou acordo para devolver R$ 260 milhões. Estamos falando de um único operador.

Diretor e gerente são considerados pelos investigadores da Operação como os principais operadores do PT na Petrobras de 2003 a 2012. Não se descobrisse mais nada nessa investigação, só o que esse diretor e gerente fizeram bastaria para derrubar toda a diretoria e conselhos da Petrobras, no mínimo por omissão. Paulo Roberto Costa, diretor por oito anos, já revelou e admitiu devolver mais de R$ 20 milhões na Suíça. A Suíça bloqueou US$ 23 milhões, de três contas do ex-diretor naquele país.

Como diz um empresário paulista, “quando um simples gerente tem uma conta bloqueada no exterior no valor de US$ 20 milhões, fica difícil imaginar até onde foi o esquema na empresa que deveria ser o principal motor da economia brasileira, num momento em que ela patina”. (Folha de São Paulo, 16/11/14).

Funcionários, acionistas, fornecedores, investidores estrangeiros, bancos, a sociedade brasileira devem estar se perguntando agora, o que levou a Petrobras a essa crise grave, uma das mais deletérias de sua história? Por que empresas da importância de uma Petrobras afundam em crises graves, no caso, esta de dimensões ainda não calculadas, e não conseguem estancar a sangria? Lembram-se da crise da British Petroleum-BP, em 2010, com a explosão de uma plataforma, no Golfo do México, e todos os desdobramentos? Passados mais de quatro anos, a empresa responde até hoje por passivos de bilhões de dólares e a reputação não conseguiu ainda apagar as manchas que poluiram as costas de cinco estados americanos.

Os especialistas em Crisis Management dizem que as organizações acabam envolvidas em crises graves, porque se sentem imunes, acima do bem e do mal. Há uma certa soberba, autossuficiência, desdenham das chamadas “bandeiras vermelhas”, que seriam os sinais das crises. Elas seriam tão grandes, que não acreditam que uma crise poderá ameaçá-las. Na crise econômica de 2008, cunhou-se até uma expressão para ironizar grandes corporações, principalmente bancos, que se achavam invulneráveis às crises e, por isso, não quebrariam: “Too Big To Fail”, O termo propiciou até mesmo a produção de um filme e a edição de livro, com o mesmo título, de autoria de Andrew Ross Sorkin, nos Estados Unidos.

Apesar da ironia, elas quebraram de fato. Não há organização invulnerável a qualquer tipo de crise.  Uma outra premissa para as crises atingirem grandes corporações é a chamada “arrogância do líder”. Elas seriam tão grandes, tão admiradas, líderes no seu segmento de mercado, com tantos negócios, que, acreditam, uma crise não teria potencial para as afetar. Diante do gigantismo, haveria um afrouxamento dos controles.

Podemos citar os casos da Toyota, com uma grave crise em 2011, envolvendo defeitos nos carros, principalmente nos Estados Unidos, que a levou a fazer o recall de 12 milhões de veículos. A GM, que enfrentou problemas financeiros em 2008 e, agora, também nos Estados Unidos, sofre outra crise por defeitos nos carros. A Enron, que desapareceu do mercado pelos escândalos financeiros, em 2001. E o Lehman Brother, símbolo da derrocada dos bancos, a partir de 2008. São várias grandes corporações que foram tragadas pelas crises.  No Brasil, recentemente, tivemos a saga das empresas “X” do empresário ilusionista Eike Batista, que causou prejuízos incalculáveis ao mercado e aos acionistas. Ele já sentou no banco dos réus.

O problema da Petrobras poderia ser uma combinação de “arrogância do líder” com o aparelhamento. A companhia é vítima da doença das estatais. São as joias da coroa, cobiçadas a cada troca de guarda no Palácio do Planalto. Todo mundo quer comandar e influenciar. Caem no colo dos governos e acabam sendo usadas por eles como se fossem capitanias hereditárias. No atual governo, temos, com a Petrobras, outros dois exemplos de empresas que sofreram as consequências do aparelhamento, uso político e irresponsabilidade.

As diretorias foram loteadas, entregues a apaniguados e “companheiros”. Acabaram usadas apenas para fazer caixa para eles próprios e para os partidos. Correios e Infraero foram outras duas vítimas da mesma doença, que agora contamina e corrói a reputação da Petrobras. As consequências todos conhecem. O que assombra os brasileiros é a possibilidade de que esses esqueletos estejam no armário de outras estatais e, de repente, possam vir a público nos assombrar com escândalos semelhantes.

Não adianta ficar com pruridos políticos ou minimizar a presente crise na Petrobras, como fazem políticos da base aliada e o governo, sob a ótica de que os descalabros atuais não são diferentes dos ocorridos em outros governos. E a atual crise seria apenas mais uma. Ou que o governo “permitiu” apurar e por isso a corrupção parece ter aumentado. Governo nenhum deveria insinuar que apurar corrupção pelos órgãos de estado, como a Polícia Federal, MPU, TCU, seria uma liberalidade desse governo aos brasileiros. Apurar ilícitos deveria ser ato permanente de gestão de todo governo sério.

O fato objetivo e incontestável, que o governo prefere não discutir para não ferir as delicadas sensibilidades dos aliados do Congresso, é que as indicações políticas para as diretorias da Petrobras nesse governo estão no cerne da crise atual da empresa. As acusações que emanam dos depoimentos são estarrecedoras, se comprovadas. Envergonham não apenas os empregados honestos da Petrobras, mas todos os brasileiros. Desrespeitam os acionistas, principalmente os minoritários, que confiaram suas economias numa empresa com um nome respeitável no mercado, mas com a reputação tremendamente abalada pelos malfeitos.  

Caciques políticos (e o Brasil tem tantos) indicam apaniguados para os cargos nas estatais para quê? Por que entregar esses cargos estratégicos aos prepostos? E como eles escolhem os afilhados? Escolheriam os candidatos, pelo menos, pelo curriculum? Pelos bons serviços prestados ao país? Seriam os mais preparados? Claro que não. Naturalmente, esses pseudopatriotas só querem os cargos para “usá-los” em proveito próprio ou dos partidos; para se locupletarem, enquanto o apaniguado ficar no cargo. Paulo Costa tinha uma tabela de propina que entregou à PF, com o nome dos favorecidos (pelo menos de três partidos PT, PMDB e PP) , que recebiam o “pedágio” das obras contratadas pela Petrobras.

As revelações dos acusados à PF e ao MPU, tanto do lado dos diretores ou empregados da Petrobras, quanto dos corruptores, e dos que concordaram com a delação premiada, mostram uma organização criminosa que agia desde o início do governo Lula, dentro da empresa, e resolveu saquear a Petrobras, num esquema que faria corar de vergonha a máfia italiana, pela sofisticação, extensão e capacidade de organização.

Um dos delatores, Júlio Camargo, executivo de empreiteira, revelou que o operador do PMDB negociou uma propina de R$ 15 milhões, fruto da intermediação na aquisição de sondas de perfuração para a Petrobras. E indicou outro diretor, Nestor Cerveró, em nome de quem agia o lobista. Cada depoimento acaba se transformando num “case” de crise. Pela longevidade e grandeza, eles demonstram, portanto, como eram frágeis os controles da Petrobras.

O que a sociedade brasileira quer entender é para que seis conselheiros do Conselho de Administração da Petrobras se reuniam de dois em dois meses, com o objetivo de controlar, supervisionar, analisar e aprovar as diretrizes da empresa. Afinal, não é essa a função de um Conselho de Administração? Os Conselhos da Petrobras (aí incluídos a diretoria, conselho de administração e fiscal) sabiam realmente o que os mais graduados executivos da empresa faziam? O ex-presidente Sergio Gabrielli já declarou na CPI da Petrobras (que termina em dezembro) que nunca soube dos desvios. Como disse Editorial da Folha de S. Paulo, “Governo, Petrobras, Congresso e líderes políticos ainda demonstram uma inércia próxima da conivência”, na apuração dos malfeitos da Petrobras. “Isso precisa acabar”.

Para o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, em artigo no jornal O Globo, “é evidente que as diretorias da empresa e seu Conselho de Administração fizeram uma péssima gestão. Como é que não perceberam que o negócio estava errado?” O professor de governança corporativa Alexandre Di Miceli, da FEA-USP, disse ao jornal Valor Econômico que "o desgaste da reputação da Petrobras é o principal aspecto desta crise", o que engloba incertezas no plano financeiro, endividamento, planos de investimento, expectativas de receitas e rentabilidade. "É um momento em que chegamos ao fundo do poço e alguma coisa vai ter que acontecer, não se pode mais empurrar com a barriga".

Quais os erros cometidos na gestão dessa crise? Em abril passado, escrevemos neste site o artigo “O que a Petrobras precisa fazer para sair da crise”. Mal sabíamos àquela altura a extensão e os tentáculos desse escândalo. Na ocasião, acenamos com os primeiros erros na condução do imbróglio, a começar pela escolha da presidente da Petrobras, Graça Foster, como “gerente da crise”. Ela foi várias vezes ao Congresso explicar o inexplicável. Tornou-se a “cara” da crise, o que, sob o prisma da Gestão de Crises, não é recomendável. Nesses casos, a gestão da empresa precisa ser segregada da crise e, quando o CEO assume a tarefa de gerenciar a crise, dificilmente tem condições de tocar o negócio. Ou pelo menos não terá todas as energias voltadas para a gestão da empresa.

Provavelmente, Graça Foster (vamos dar um voto de confiança, por enquanto) não soubesse naquele momento até onde iria essa crise. E tinha o benefício de ter assumido o cargo na gestão Dilma, fato que teria sinalizado uma mudança na direção.

Recomendávamos, no artigo, a contratação de uma consultoria especializada em Gestão de Crises para tentar pelo menos mitigar o impacto do escândalo na reputação da empresa. A Petrobras demorou a reagir. E quanto reagiu foi reativamente. Só agora no fim do ano, pressionada pelas auditorias externas, que se negaram a assinar o balanço da empresa, por não terem certeza da situação financeira, ela contratou escritórios independentes de auditoria para fazer uma varredura na empresa. Para piorar o cenário, a Security Exchange Comission-SEC, órgão regulador do mercado acionário americano, também abriu investigação para apurar irregularidades na Petrobras.

O Gabinete de Crise, que deve estar mobilizado full time, desde março passado, quando estourou a crise da empresa, provavelmente tem pouca autonomia. Pela influência e ascendência, por ter sido ministra das Minas e Energia, a presidente Dilma deve ter o controle absoluto das ações do Gabinete de Crise, que não deve ter liberdade para fazer o que quiser. Com isso, ficam bastante restritas até mesmo as ações reativas da empresa. Pois elas sempre terão um viés mais político do que gerencial.

Ou seja, a Petrobras, ao não ter autonomia, pode estar sendo vítima de seu tamanho e das implicações de sua crise, podendo se tornar símbolo – se a crise não for bem administrada – do fracasso da gestão do governo Dilma. Uma das condições para um gabinete de crise funcionar e ser efetivo numa crise é o poder de decisão, a confiança absoluta do board da organização e a liberdade e coragem de tomar decisões que realmente encaminhem a solução da crise.

Um dos exemplos de que a Petrobras patinou nos esclarecimentos, foi o episódio que envolve a empresa holandesa SBM Offshore, fornecedora da companhia. A multinacional fez um acordo com o Ministério Público da Holanda para pagar US$ 240 milhões em multas e ressarcimentos para evitar processo judicial por ter feito “pagamentos indevidos”. Ou seja, propina a funcionários da Petrobras. Em abril de 2014, a Auditoria da Petrobras não encontrou indícios de irregularidades, na atuação da empresa, confessada por ela mesma. E a CGU agora veio a público informar que investiga 20 funcionários da Petrobras por suborno recebido da empresa holandesa. Por que só agora?

No artigo publicado em abril, recomendávamos que, se a empresa quisesse administrar essa crise efetivamente, deveria se livrar dos pruridos políticos e fazer o que recomendam os especialistas numa situação tão grave. Afastar imediatamente todos os suspeitos dos cargos. Melhor ainda: a presidente Dilma deveria ter demitido toda a diretoria, quando o escândalo veio a público, em março. Com isso, teria sofrido menos pressão na campanha eleitoral, preservado em parte o nome da empresa de ficar sob bombardeio e teria dado um sinal ao mercado e à sociedade de que estava disposta a esclarecer tudo e não poupar ninguém.

Os “pushers” da crise da Petrobras acabaram sendo o Ministério Público, a Polícia Federal e o Juiz Federal, Sergio Moro.  Daí saem as notícias que alimentam a imprensa. Ou seja, a empresa, o governo, o Congresso Nacional perderam o controle da crise, a comunicação e o “timing”, por falta de competência, interesse ou medo. Ou foram atropelados pelos fatos.

Os episódios protelatórios envolvendo as duas CPIs, criadas para apurar, ou melhor para enganar os incautos, são vergonhosos para o Congresso Nacional. Muitos políticos, com receio de aparecerem nas delações dos acusados ou para preservar os colegas, tentaram fazer uma acomodação, um arremedo de CPI. Blindaram os depoentes, até mesmo com treinamentos, ao combinar perguntas e respostas nos depoimentos. Pela displicência em apurar, foram atropelados pela PF e pelo MPF.

A CPI virou apenas uma palco para holofotes. O governo, mais especificamente o Palácio do Planalto, agiu apenas reativamente, quando a oposição ou a imprensa intensificavam as críticas à gestão da Petrobras. A presidente Dilma se sente pessoalmente atingida porque não é segredo que a empresa, desde o governo Lula, sempre esteve sob o seu radar. Ela foi ministra das Minas e Energia e tinha controle absoluto sobre a empresa. 

O ministério das Minas e Energia, a quem a empresa está subordinada, se omitiu totalmente. O ministro da pasta, além de sumir na crise, provavelmente (como acontece na gestão de energia, prestes a ter uma crise grave) não sabe 10% do que está acontecendo. Se depender desse ministério, a reputação da Petrobras já teria afundado de vez nas profundezas do Pré-sal.

A Petrobras também ficou refém do governo e do Congresso. As respostas burocráticas da empresa não serviram para esclarecer as denúncias. Investidores nacionais e internacionais foram mais bem informados pela imprensa (com todos os riscos inerentes à reportagens feitas no calor do período eleitoral) e pelos depoimentos publicados do que pela empresa, até porque muito provavelmente grande parte dela, incluindo funcionários e acionistas, se sente tão surpreendida pelas revelações que saem dos porões da Polícia Federal quanto os demais cidadãos.

Finalmente, para culminar o desfecho surrealista desse escândalo, os brasileiros ainda precisam aturar declarações de advogados que certamente deveriam fazer parte do “festival de besteiras que assola o país”.  Mário Oliveira, advogado do lobista Fernando Soares, disse que “no Brasil não se faz obra pública sem acerto”, tentando com isso justificar o que seu cliente fazia, provavelmente. Ele pode ter acertado no atacado, mas perdeu no varejo. Como a dizer que seu cliente fez, porque todo mundo faz. Além de ofender todos os brasileiros, quis equiparar ao seu cliente milhares de tantos homens públicos honestos que não fazem o jogo do chamado “Grupo Vip”. 

A outra pérola dos porões do escândalo é a afirmação de advogados das grandes empreiteiras de que elas foram ou são “vítimas” de extorsão, no escândalo da Petrobras. Elas superfaturavam os contratos e depois pagavam propinas a servidores e políticos, além de intermediários, porque seriam prejudicadas nos contratos ou em negócios futuros, se não o fizessem. Em bom português, isso se chama chantagem. Ou pelo menos poderia ser considerado "crime de concussão", quando um agente público exige para si ou para outrem vantagem indevida.

Chantagem ou concussão - não importa - deveria ter sido denunciado pelas empreiteiras. Certamente, muitas empresas ou empresários já foram vítimas desse tipo de crime, nem por isso aceitaram. Esse crime se resolve com denúncia, escancarando e expondo o chantagista à execração pública. Se todo o mundo ficou quieto, admitindo-se como verdade o depoimento de pelo menos dois executivos de construtoras, é porque o “negócio” não era ruim para ninguém. Digamos que funcionava como uma “ação entre amigos”.

Ao fim e ao cabo, estamos diante de uma crise que desafia até os maiores experts internacionais em gestão de crises. O mais lamentável de tudo isso é que um grupo se apossou da Petrobras, sob o beneplácito das autoridades que a comandavam, a começar pelo presidente da República, e fizeram gatos e sapatos, sem que nenhuma dos órgãos de fiscalização da empresa ou do país descobrissem.


Custa acreditar que ninguém fora do círculo dos poderosos que saqueavam a empresa tenha sequer ouvido falar ou tenha percebido os negócios ilícitos que ali se praticavam. O desserviço que essa quadrilha fez ao país e a uma das marcas mais poderosas do Brasil é bastante semelhante ao que os 800 milhões de litros de petróleo, vazados pela British Petroleum-BP, fizeram no Golfo do México, em 2010. Mancharam definitivamente a reputação da empresa, causando um estrago econômico, financeiro e reputacional que levará muitos e muitos anos para ser recuperado.
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