terça-feira, 14 de julho de 2015

O argumento mais estúpido que o da revolta da vacina

O início do período republicano da história do Brasil foi marcado por vários conflitos e revoltas populares. O Rio de Janeiro não escapou desta situação. Em 1904, estourou um movimento de caráter popular. O motivo que desencadeou a revolta foi a campanha de vacinação obrigatória, imposta pelo governo federal, contra a varíola.

As manifestações populares e conflitos espalham-se pelas ruas da capital brasileira. Populares destruíram bondes, apedrejaram prédios públicos e espalharam a desordem pela cidade. Em 16 de novembro de 1904, o presidente Rodrigues Alves revogou a lei da vacinação obrigatória, colocando nas ruas o exército, a marinha e a polícia para acabar com os tumultos. Em poucos dias a cidade voltava a calma e a ordem.

Da mesma maneira truculenta, o que era polêmico, hoje é comum, como tomar vacina. Talvez por isso, com esse afã de revolta, um dos principais argumentos usados pelos opositores do casamento gay soa tão estúpido que é difícil de entender por que alguém perderia tempo em debatê-lo. Para os inimigos da causa LGBT, permitir a união civil entre pessoas do mesmo sexo provocaria uma banalização do matrimônio heterossexual e enfraqueceria os laços de famílias nesse padrão. Eu sei, é ridículo, mas a ciência deu um passo atrás e se debruçou sobre o assunto.

Imaginar que um homem e uma mulher deixariam de se casar aqui porque dois homens se casaram acolá é tão delirante que chega a ser penoso pensar em entrar numa discussão com alguém que raciocina assim. Mas no contexto da batalha jurídica da ação coletiva que culminou com liberação do casamento gay nos EUA, seria de grande ajuda provar por A mais B que isso estava errado. Os defensores dessa ideia, afinal, poderiam se esconder atrás da falta de evidências.

Quem teve a paciência de elaborar uma pesquisa para testar o argumento de que a união homossexual afetaria o casamento hétero foram as sanitaristas Alexis Dinno e Chelsea Whitney, da Universidade Estadual de Portland, no Oregon. Taxas de casamentos são um tema comum em estudos de saúde pública porque pessoas casadas são em geral mais saudáveis do que aquelas que vivem sozinhas. O resultado de seu trabalho foi publicado em junho de 2013, exatamente um mês antes de o casal James Obergefell e John Arthur, de Ohio, entrar na justiça com o pedido de reconhecimento de seu casamento, no processo que daria origem à ação coletiva.

Para saber se a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo realmente provocaria uma redução no número de casamentos heterossexuais ou um aumento no número de divórcios as pesquisadoras foram atrás de registros matrimoniais nos 50 estados americanos e analisaram o que ocorreu durante vinte anos, no período entre 1989 e 2009.

As cientistas se valeram do fato de que alguns estados tinham aprovado leis permitindo o a união homossexual durante esse período. Seria possível, então, não apenas comparar estados pró e contra a causa gay mas também analisar como um mesmo estado reagia a duas legislações diferentes em momentos distintos.

A conta foi difícil de fazer, por requerer uma série de correções estatísticas para compensar lacunas em meio aos dados compilados, mas a conclusão não foi exatamente uma surpresa: assim como a revolta da vacina, as polêmicas criadas pelos “achistas” tendem a cair em função do esclarecimento aos menos esclarecidos quando estudos científicos desmistificam o preconceito e a desinformação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...