Jurava que meu amor estava morto, seco, defenestrado após sucessivas tentativas frustradas de trazê-lo para dentro de mim, estava errado, redondamente enganado. Um belo dia antes de encerrar o velho ano; encontrei alguém que julgava perdido para sempre no paiol das minhas lembranças mais felizes, recuperei a fé naquele amor e nas suas lembranças e o trouxe para perto de mim o amor da minha vida. Alimentei o sonho de que tudo seria uma grande história de amor, e foi. E é.
Dez dias; foi o tempo do sonho duradouro que me arrebatou para si e para dentro de seus olhos castanhos e pensativos, perdidos em pensamentos e no espaço sem fim. Amei, me esbaldei de amar, lambi os beiços como que com a iguaria ambrósica das mais raras, me perdi de amores pelo conjunto da obra e não só pela obra em si.
Amei como se fosse o pecado mais gostoso ou o segredo mais excitante, me entreguei à vaidade de amar, ao lado de todos os amantes mais ferrenhos; platônicos, carnais ou introspectos. Abri-me ao mundo e deixei meu peito gritar o quanto queria ter mais o que tive e o quanto queria estar mais com quem estive. Se meu peito fosse uma canhão, meu coração teria sido a bala, a disparar de felicidade e se esfacelar em frangalhos de paixão.
Há muito tempo, pelo pecado de amar demais, os deuses me puniram com a efemeridade da presença do ser amado, por isso, tive que enviar meu amor para terras distantes, e mesmo contra vontade, o egoísmo não me impediu a colocar meu amor dentro de um avião e me conformar em sentir seu cheiro nas pequenas lembranças, impregnado ao meu corpo inodoro que absorveu o odor dos nossos corpos em chamas, das horas de lascívia, dos momentos do gozo venéreo, das horas incontáveis de abraços e trocas de carinhos e caricias das mais variadas e dos momentos em que a intimidade é tanta que não se diferencia um corpo do outro.
Hoje, após todo o frenesi passado, ainda procuro no ar, algum pouco resquício do seu cheiro. Cheiro este que procurei e achei até a hora em que o avião deixou o solo, depois disso só farejo teu cheiro nas reminiscências. Chorei. Chorei como se fosse me desfazer de todos os liquores em lágrimas, apegado as pequenas lembranças, sejam elas mentais, físicas ou simplesmente gestuais, que remetem a horas desfrutadas como o bolo de aniversário que deve ser provado na mesma noite para não deixar arrependimentos. Chorei, até não poder mais. Ainda choro nos pequenos momentos em que me pego pensando em você.
Saí para dirigir, para não chorar perto de ninguém, no transito é mais solitário chorar. Ouvi suas músicas em uma seleção escolhida a dedo para chorar sua ausência. Andei pelos mesmos caminhos que andava contigo e te ouvia reclamar da caminhada, se pudesse te carregaria para não terdes de andar, mas o prazer de olhar para o lado e te ver enquanto caminhávamos, era tanto, que se sagrava ao te ver expressar o sorriso doce e tímido, de um arquear de lábios e um arfar suave, que te fazia ser exemplar único da tua estirpe de deuses e reis. Caminhavas rápido, suavas em bicas e o suor escorria em sua nuca hercúlea, isso me deixava cada vez mais entre a paixão de te olhar e o sentimento de culpa pelo teu cansaço.
Não, não me arrependo de nada, sorvi até a última gota da felicidade a mim oferecida, sabia que o destino jamais seria benevolente comigo ao ponto de me deixar ser intenso e eterno nisso (não, não tão fácil assim diz ele!). Continuo remoendo as pequenas recordações de você como se fossem tesouros (e são!), pequenos mimos que a mente me favorece, para que enfim possa compensar com qualquer meio físico que pudesse substituí-las, mas não quero!
Deixem-me o tempo e os cruéis deuses me afundarem em lembranças suas como se achassem que elas me punem de alguma forma mesquinha e cruel, mas na verdade elas me alimentam me nutrem, me deixam mais forte para que eu enfrente a punição do tempo a que me foi imposta. Nunca envelhecer, nunca esquecer, nunca deixar de viver para ver gerações passarem pela minha soleira e se consumirem pra definharem e perecerem e me verem assistindo, por séculos em janelas também seculares.
Sei que minha sentença é perpétua, mas também consegui enganar o tempo, descobrindo que a cada amor a cada semente que planto, elas arrancam de mim um pouco da longevidade e com isso consigo burlar a sentença e morrer um pouquinho, me sentir mortal e humano novamente como em outrora fui. Hoje me sinto o mais mortal dentre todos os mortais, pois afinal meu ultimo grande amor chegou e me salvou da danação de nunca morrer, pois agora morro de amores por você.
Ah o amor! Aquele que nos faz fazer pequenos e gigantes sacrifícios, sem pudores ou limites, só a mais perfeita entrega ao ser amado. Às vezes o outro lado não sabe o preço que temos que pagar nesses sacrifícios unilaterais. Uma entrega que hoje, agora mesmo deitado na minha cama, sinto que posso me comunicar com o universo inteiro: - Sou feliz, amei! Ainda amo. Não definharei pela eternidade, me tornando uma fiel cópia de Dorian Gray, seco, recheado de areia e névoa.
Ah o amor! Este que nos faz seres diferentes dos outros seres. Diferimos-nos dos animais não por nossa inteligência vil. Mas pela capacidade de amar intensamente e nos doermos pelo outro como se fosse a nossa própria carne. Rogo aos deuses que me amaldiçoaram, quero minha carne de volta, não vale a pena ser eterno se meu outro lado, minha alma gêmea é mortal. Deixem-me ser carne e sangue novamente, pois nunca poderia consentir em pedir que de meu amor amado lhe tirassem a alma, mesmo que isso nos deixasse pela eternidade juntos. Não vale a pena. Já basta um sem alma e sem bússola para urdir o pano do tempo.
Ah como tenho saudades e sinto falta de cada segundo, querendo cada vez mais que as areias do tempo se dissipassem em menor velocidade para que o tempo estivesse congelado, suprimido de avanço, destituído do seu poder devastador. Beligerar contra ele é uma árdua tarefa, às vezes se vence, mas na maioria, se perde, pois como dizia o bom Cazuza: O tempo não pára nem para mim nem para ninguém vai parar, mesmo que arranquemos todos os medidores de sua grandeza má.
Faz parte da natureza, a existencialidade, o ciclo deve continuar, a lei da vida deve prosseguir como sempre foi: Nascer, crescer, reproduzir e morrer. Pena que em meu caso essa lei tenha sido burlada. Já nasci grande, reproduzi por uma necessidade de me tornar mortal novamente, e em lugar de morrer, só posso mesmo é amar e isso, faço agora durante todos os intermináveis séculos que tenho pela frente, até que um dia novamente, os deuses se esqueçam de mim e cochilem, quem sabe por mais tempo que os poucos dez dias que me fizeram estar no paraíso que estive até a pouco. Podem até me tirar a vida depois disso. Já sou feliz.
Quer saber o que é melhor de tudo isso? Que me faça sorrir, chorar, ir às alturas ou descer no inferno e ao mesmo tempo querer mais ainda ter esta experiência, que se supera a qualquer outra que possamos passar. Mesmo que existam drogas, alucinógenos barateiros que criam uma falsa expressão de prazer ou de felicidade ou de depressão. A melhor de todas; a mais excitante de todas; não pode ser chamada de droga, mas sim de prazer absoluto da alma, alimento para o ego, razão da vida, pode ser tudo, mas nada melhor do que AMAR VOCE.
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