quarta-feira, 22 de junho de 2011

Mamma mia i nostra


Você pensa em escrever um livro, mas aí pensa melhor. Adia. Anos, às vezes. A verdade é que sempre imaginaram que escrevo livros de viagem, que tento descobrir o traço ilusório que pode ou não definir a identidade nacional, dizer com termos amplos e genéricos que esse lugar é assim, aquele lugar é assado. Alguém sempre pensa: mas eu conheci franceses que não eram nem um pouco engraçados. Ou: mas eu estive lá, e não achei nada romântico, miserável ou interessante. Ou, pior ainda: afinal, quanto tempo esse escritor ficou lá? Dois, três meses? Como é que ele pode conhecer bem o lugar? Como é que ele pode me revelar algo que não os fenômenos triviais que qualquer turista perceberia, como conversas num bar ou coisas entendidas pela metade na rua? Nesse ponto, tudo não passa de um exercício de reportagem convincente, ou daqueles romances de Alexandre Dumas, que falam de modo tão cativante de um país que o autor nunca visitou.

Quando cheguei à Itália, em 1951, com mais vontade de fugir dos amigos e da família e levar a vida em paz do que de ir a algum lugar específico, jurei que nunca escreveria sobre o país. Já existem livros demais sobre a Itália. Sem ter ainda publicado nada, minha única intenção era escrever outro romance antes de desistir e encontrar algo gostoso de fazer. Eu não estava "coletando material".

E ainda assim... os lugares são diferentes. Admiravelmente diferentes. Talvez, na época, eu não me tivesse dado conta disso plenamente. E, mesmo que se tirem os traços individuais, os hábitos das classes sociais, o conflito de gerações e, claro, as variadas manifestações de personalidades diferentes, continua a existir um substrato da identidade nacional. Os franceses são franceses por alguma razão; os alemães são previsivelmente alemães; os italianos, como eu ia descobrindo devagar, indiscutivelmente italianos. Então, depois de estar vivendo neste país - quantos, cinco, seis, sete anos? Raramente saindo da aldeia onde eu morava, da pequena cidade de Verona, onde eu trabalhava, aos poucos me conscientizei de que dispunha de elementos que não colocaria em romance algum, ou não no tipo de romance que gosto de escrever. Nesse momento, eu só precisava de um editor que me desse um puxão de orelha, e lá estava eu fazendo o que sempre dissera que não faria.

Contudo, o problema persistia: como abordar essa coisa da italianidade sem cair no clichê, sem simplesmente apelar para aquilo que todos já sabem? Talvez essa não seja uma questão que realmente se possa desprezar, mas a solução, se existia, parecia ser escrever somente sobre as pessoas e os lugares que eu conhecia intimamente, meus vizinhos, minha rua, minha aldeia, nunca me aventurar no território do jornalista, nunca adotar o ponto de vista do viajante que está de passagem. O que significava um único livro de viagem e nada mais; pensei comigo mesmo, com a desculpa de manter a consistência, enquanto escrevia os últimos parágrafos. Afinal, só conhecia esse mundo na Itália. Meu prédio, minha rua. O único lugar que eu sentia ser realmente meu. O que mais escrever sobre o país?

E então, no verão seguinte, boiando no Adriático naquela manhã, com o sol meridional me cozinhando os miolos mesmo na água deliciosamente fresca, ocorreu-me que havia outro mundo que eu conhecia aqui, ou começava a conhecer: o mundo das crianças, do meu próprio filho, dos filhos dos meus vizinhos e, por que não, das crianças mais velhas para as quais lecionei durante anos na universidade. Assim, eu podia escrever um livro sobre esse mundo e tudo que o cerca: como começou, o que ele abrange, onde deverá terminar. E talvez a idéia começou a ganhar a premência de uma correnteza rápida pela água, a obviedade da luz brilhante do sol nos meus olhos fechados, sim, talvez, no instante em que chegarmos à última página deste conto, tanto o leitor quanto principalmente eu comecemos a entender como um italiano se torna italiano, como acontece; como aconteceu, pois se passaram anos.

Dia após dia se repetem as inevitáveis canções do verão: vozes roucas e embargadas que fazem rimas de amor banais. E há um monte de petiscos. Todos seguram uma pizzetta com guardanapos engordurados. Eu Nadei de volta. O garoto nas pedras conseguiu fazer a namorada tirar o sutiã, sem ter imaginado que alguém se aventurasse para lá dos quebra-mares. Ou talvez sem se importar. Em todo caso, mantive a cabeça baixa e depois precisei olhar de novo, para me desviar do ajuntamento de pedalinhos mais perto da praia. Passei pelas crianças da colônia, já cansadas de estar na água, mas aparentemente sem permissão para sair. Elas devem ficar um tempo no mar todos os dias, para respirar o iodo. As mães contavam com isso quando as mandaram para lá. Assim como esperavam que elas não se afogassem. A atraente professora dava duro para inventar jogos, que as crianças preferiam ignorar.

Voltei ao guarda-sol, me enxuguei, levei as roupas de praia e os brinquedos e os protetores solares e as revistas para a cabine de banho, e então me juntei ao meu sogro para o nosso aperitivo.

É um ritual mediterrâneo muito cultivado e apreciado. É nesses momentos que me sinto feliz de ter vindo para cá. À sombra de um emaranhado de trepadeiras, há um terraço com algumas máquinas de jogo assediadas por meninos de dez anos, a maioria se esticando para ver por cima dos ombros dos poucos que pegaram nos controles. Há uma jukebox acionada por duas adolescentes, que usam roupas minúsculas encantadoras e sogro, gordo, chapéu branco empurrado para trás na careca com pintas, coloca uma pizzetta nas mãos ansiosas, depois se recosta para apreciar o vinho, a lingüiça recheada com azeitonas e o espetáculo das jovens bonitas que desfilam e rebolam da rua para a praia e de cá para lá, com praticamente nenhuma roupa no corpo. São os nossos melhores momentos juntos. Nós nos entendemos perfeitamente bem. Vinho, depois um cigarro, talvez. Uma sensação extraordinária de bem-estar, o garotinho relativamente quieto, para variar, com o rosto melado de pizza.

Como muitos italianos, meu sogro gosta de parecer sofrido. Ressalto que ele já conseguiu compensar demais a antiga privação. Ele dá risada. O homem nunca tem mais bom humor do que quando está comendo e bebendo longe das mulheres da família. Chama uma garçonete, que, claro, o conhece e sabe de tudo de que ele gosta e não gosta, e pede outro prato de tira-gosto e mais dois copos de vinho. Por que não? Quando uma criança termina a pizzetta e começa a incomodar, o vovô põe duas fichas na mão dela e lhe diz que vá ao cavalo de balanço mecânico. Aquela garota simpática vai colocar as fichas para ele. Isso dá ao velho a oportunidade de cumprimentar com o chapéu a gordinha de doze anos e fazer todos os sinais possíveis para lhe pedir que banque a babá.

Estamos começando a nos acostumar a essa glória do verão quando a minha mulher chega. Isso; devo dizer, é muito incomum. Em Pescara, a hora do aperitivo é para ser a folga das mulheres, o horário em que os homens "cuidam do filho", comprando, como a neta logo descobriu, a cooperação dela de todas as maneiras.Talvez ela tenha vindo porque hoje é o último dia; amanhã de manhã, voltaremos de carro para o norte, para o calor opressivo do verão veronês.

Rita senta-se sorrindo e, surpreendentemente, não nos repreende por termos despachado o garoto para uma menina. Eu esperava o pior. Não por fumar na frente dela. Nova surpresa, ela pede não um copo de vinho, mas um gingerino: agridoce, vermelho, açucarado, caro demais. Não devia beber álcool, diz ela mesma.

Rita não é assim. Delicadamente, pergunto se as lojas estavam cheias.

Ela diz que não foi fazer compras. A mamma dela está preparando pasta e fagioli para o almoço. Não é o meu prato predileto. Nisto, ela cai na gargalhada. Saiu da praia para verificar o predictor dela, diz. E deu positivo.

O dela o quê? Não entendi porque ela pronunciou a palavra com sotaque italiano, escandido, como só poderia fazer ao falar em italiano com o pai. Só assim vejo como envelhecer não é tão ruim...

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