terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Whitney Houston e o meu avô Adalberto

O funeral de Whitney Huston. Engraçado isso: aqui a gente não tem a mania de chamar funeral de funeral. Vai ver porque aqui a coisa é bem menos pomposa do que o que a gente viu em transmissão ao vivo e em cores para muitos países. Showzão! Digno de Whitney.

Mas é estranho pra nós, latinos, que encaramos a morte como um momento de luto, tragédia, silêncio e dor, entender a cultura anglo-saxônica onde o velório é celebrado e os mortos lembrados em versos e prosas, durante dias e dias, com mesa farta, bolinhos e salgadinhos.

Por Deus do céu: ontem, na frente da TV, muitas vezes esqueci que debaixo daquele monumental arranjo de flores que cobria o cintilante esquife minimalista, estava um corpo inerte e, se não fosse o bom serviço de embalsamamento, nem tão inodoro, já que passavam sete dias do momento em que foi encontrado, sem vida, numa banheira de um hotel hollywoodiano.

A qualquer instante, entre um acorde do imortal Steve Wonder e outro da talentosa Alicia Keys, achava que a tampa do caixão iria se abrir e Whitney ia aparecer rebolativa, com seu vozeirão cantando I Waaaannnaaa daaaaance with someboooodyyyyy!!!!

Só isso que faltou. Até os guarda-costas estavam lá pra segurar qualquer onda mais pesada: tanto o efetivo quanto aquele outro do filme. Aliás, pelo que se leu nas entrelinhas do discurso do Kevin Costner, durante algum tempo, ele saiu da ficção pra guardar muito mais do que as costas da Whitney na vida real.

O reverendo Al Sharpton, pronto para o estrelato: pregou, orou, cantou, tocou piano e regeu o coral, não necessariamente nessa ordem, mas com absoluta competência para hipnotizar a plateia que, em transe, erguia as mãos os céus repetindo cantos de Glória. Parecia assim um Michel Teló de batina.

Em emoção o funeral da Whitney disputou nota por nota com o do Michael Jackson, mas o dela foi muito mais animado e festivo. Aliás no quesito animação e irreverência, o funeral de Whitney só perdeu, e de longe, pro do meu avô, que morreu em casa, ao meio-dia e foi enterrado as quatro da tarde do mesmo dia.

Explico: teimoso que só, vovô foi o último dos amigos a morrer e por isso mesmo, seu velório tinha tudo pra ser um retumbante fracasso de público. Os filhos então, reunidos em volta do corpo, decidiram: enterro o mais rápido possível, comunicando os parentes por telefone mesmo, pra poupar a vovó, já doente e com 90 anos, do sofrimento de passar uma noite em claro velando o falecido.

Até aí, tudo bem. Mas, sabe como é, sábado, hora do almoço, velório em casa, chega um e abre uma cerveja, vem outro e pega um whiskinho, outro já pede pra cozinheira uma calabrezinha frita e o velório do vovô foi virando uma celebração eucarística digna dele que, para agradar os amigos, andava pra lá e pra cá com uma Bíblia falsa, que continha, em vez das apostólicas mensagens, uma garrafinha sempre abastecida com a batida de maracujá que ele mesmo preparava com cachaça de Abaeté e dois copos providenciais.

Bom, se você está escandalizado com isso, então pare de ler essa crônica agora, porque você vai ficar ainda mais horrorizado ao saber que vovô foi velado na sala, com o féretro saindo de cima da mesa de jantar direto para o cemitério de Santa Izabel.

A verdade é que vovô Adalberto, tal qual Whitney, teve um funeral do arromba. O dela, com música e emoção. O dele, com o que ele também sabia fazer de melhor: uma biritada de primeira e muita, mas muita alegria de viver. E de morrer.

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