É uma ação típica dos literatos rejeitarem seus primeiros escritos, mesmo os publicados, sob a alegação de que a ingenuidade dos exercícios literários iniciais destoa da estética que se vai construindo com o passar do tempo, à custa de muita leitura, reescrita e autocrítica. Há, no Brasil, muitos casos conhecidos, como o de Autran Dourado, que nunca lançou em livro os contos que publicava semanalmente em O Estado de Minas, ainda antes dos 20 anos, e como o de Ferreira Gullar, que não inseriu nas edições de sua poesia completa Um pouco acima do chão, seu marco de estreia, de 1949.
No entanto, com Retratos imorais, seu novo volume de contos, Ronaldo Correia de Brito faz um movimento inverso: após alcançar espaço entre nossos maiores prosadores (talvez o reconhecimento que vem tendo ainda não seja o mais justo, mas o fato é que sua obra o situa entre os melhores), o cearense traz ao público textos de uma fase em que ainda se formava como escritor, entre o final da década de 70 e o início da de 80.
O leitor familiarizado com as páginas densas de Faca, O livro dos homens e Galileia vai perceber em Retratos imorais um nítido desnível, visto que o autor dá passos vacilantes ao buscar sua voz literária entre a temática da brutalidade escancarada e a da ambiguidade humorística, entre a concisão discursiva e a descrição detalhista, entre a linearidade narrativa e a disposição fragmentária de vozes, e entre a abordagem mais restrita do Recife (cidade onde Ronaldo mora há anos) e a mais ampla do Ocidente, geográfica e culturalmente falando, expandindo-se aos Estados Unidos (aliás, esta dicotomia do local e do universal é por vezes falsa, e o autor a resolve muito bem).
O livro não chega a comprometer a bibliografia edificada até então, mas, ressalvando alguns lances de alto nível (deve-se dizer que há também textos atuais), ele também não a engrandece neste momento de maturidade, servindo mais como fonte de comparação, a fim de que vejamos o quanto evoluiu o autor — do que como obra independente na sua unidade.
Na esteira das virtudes de Retratos imorais, deve-se destacar dois feitos notáveis, dignos das melhores páginas de seu autor. O primeiro deles é Catana, uma trama finamente elaborada e tensamente desenrolada. Quatro profissionais estão envolvidos numa cirurgia de alto risco, tentando salvar a vida de um bandido. Além do ofício, os dois cirurgiões, a anestesista e a instrumentadora têm em comum o desejo de evadirem-se de suas realidades e o dilema causado por estarem entre o cumprimento do dever e a possibilidade de interromper a vida de um criminoso:
Os outros contos do livro revezam-se entre claudicantes e de firmes passos, mas sem que nenhum deles chegue a ser desprezível ou gratuito. Mesmo nos momentos de menor força, Retratos imorais exibe a vocação de Ronaldo Correia de Brito para fazer da literatura uma fotografia das diversas faces do real, as quais se formam e deformam pelo seu fio de corte seco, amolado nas fendas e nas pedras dos sertões nossos de cada dia.
Retratos Imorais
Autor: Ronaldo Correia de Brito
Editora: AlfaGuara
Ano de Edição: 2012
Nº de Páginas: 184
Preço: R$ 37,00
Nenhum comentário:
Postar um comentário