domingo, 9 de outubro de 2011

Paraensismos e xibezadas


Estamos no décimo mês de 2011 e o ano já respira por aparelhos. É, eu sei, você só percebeu isso através da mudança da decoração das lojas e pela quantidade de propagandas envolvendo corda, santa, fitinha e pato. Está claro: chegamos em outubro.
Na época do Círio Belém fica como uma casa em dia de aniversário: lotada, confusa, caótica e com idosos perdidos procurando o caminho do banheiro. A cidade transpira aquele sentimento difícil de traduzir, mas que te expulsa de casa e te faz - quase sem pensar - ir à rua e se perguntar "o que eu tô fazendo aqui". Belém se produz, fica que nem aquela moreninha arrumadinha que todo mundo olha no fim da festa (ou no fim do ano) e tenta pegar.
Sem pinduquismos, o Círio é realmente uma época única, talvez um dos poucos momentos em que a cidade se encontra consigo mesma, uma espécie de eclipse cultural, quando a cidade sai da sombra do provincianismo progressista e se reconhece.
É um momento de reencontro entre os que abandonaram o sonho nortista calorento e foram fincar raízes em outras paragens com aqueles remanescentes que se perguntam a cada engarrafamento o porquê de não terem ido embora; de perceber o dualismo quase barroco de tão dramático entre o caboclo que se diverte com o miriti e o que se diverte com seu iPad ou celular de n's chips; de olharmos para dentro de nós mesmos e tentarmos entender o que nos tornamos.
O paraense se perde em uma periferia cultural criada por ele mesmo. Sem referências, cultua silenciosamente um passado que ninguém contemporâneo viveu, mas morre de saudade: a Belle Époque. Crescemos ouvindo fábulas contadas por pessoas ou por prédios de um tempo quando Belém era protagonista, passamos boa parte da nossa história tentando sermos aceitos pelos grandes centros brasileiros, imitando comportamento, trejeitos e até mesmo vícios e defeitos.
Basta atentar para a maneira de falar e de vestir. Vivemos pouco mentalmente na nossa cidade. O sujeito pode até caminhar pela presidente Vargas, mas apesar de seu corpo pupunhento estar ali, sua roupa e sua maneira de andar evidenciam que sua mente não. Provavelmente o sujeito se imagina andando pelo Rio de Janeiro, São Paulo ou até mesmo - os mais delirantes - caminhando pelas ruas de Londres ou Nova York.
Provas disso não faltam, quantas pessoas você conhece que estão loucas para sair de Belém e não o fazem por conta de obrigações como emprego e família? Para tentar distrair essa frustração elas arrumando relacionamentos virtuais à distância e passam madrugadas em sites de companhia aérea esperando passagens baratas para verem-se livres - pelo menos provisoriamente - da cidade das mangueiras enquanto estão seminuas namorando em frente à webcam.
Convenhamos, o ritmo no qual Belém está crescendo colabora para isso. A cidade cresce como uma adolescente, com corpo de gente grande, mas mentalidade de criança. Está cada dia mais difícil e caro viver aqui, por isso é muito compreensível essa evasão sentimental crescente na cidade.
O escapismo mental tem levado Belém a clima de desdém, quase a um Deus-dará. A cidade anda suja, mal cuidada e mal tratada como eu nunca vi nos meus ralos 40 anos, pouca gente tenta fazer alguma coisa enquanto o caos e absurdo abrem franquias em cada esquina da cidade. Quem tem força pra mudar isso está na internet namorando ou dando F5 no site da TAM esperando promoção de passagem.
O segundo domingo de outubro, porém, é um dos raros momentos atuais em que se vive mentalmente em Belém, não é à toa que a cidade se enfeita toda para receber o Círio (é claro que interesses comerciais e eleitoreiros também estão no meio) e fica estranhamente bonita, por isso o segundo domingo de outubro deveria ser visto além das festas e procissões. O Círio há muito tempo transcendeu religião ou qualquer tipo de pequenez elitista, é um momento em que a cidade se enfeita para celebrar ela mesma e se enchem de símbolos tão comuns à nossa memória afetiva como a corda, as fitinhas, o ITA, a monga, engarrafamentos e aquelas maçãs do amor com gosto esquisito que vendem em Nazaré.
O Círio é uma febre de paraensismo pluricultural: Das elites com suas tradicionais caras sem graça e roupas brancas, da ebriedade profana das chiquitas, da simplicidade complexa de milhares de pessoas expressando sua fé. Um momento que traz esperança por ainda existir, mas angústia por durar tão pouco.

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