terça-feira, 30 de agosto de 2011

Deixe eu falar filho da...



Quem tem boca fala o que quer. É o que dizem as más (ou boas) línguas, mas na prática as coisas estão acontecendo de forma problemática. As crescentes discussões que se têm visto no cotidiano em relação às diferenças nos mostram que se expressar todos querem, mas respeitar, nem sempre. 

A vontade própria acaba passando por cima das outras e com isso alguns limites se rompem. Aquela velha história que a professora fala para as crianças em sala de aula que “sua liberdade acaba onde a do coleguinha começa” é uma verdade imutável, mas quem define essa tênue linha entre a liberdade e a ofensa? 

Este é um velho problema de nossa civilização e um antigo companheiro da sociedade. Nos anos 60, por exemplo, os universitários americanos adotaram os direitos humanos como ideologia apostando numa mudança de mentalidade das pessoas para reconhecer a igualdade em mulheres, negros e gays. Com isso o “politicamente correto” começou a doutrinar o verbo orientando a mudança de alguns termos como “negro” ao invés “preto”, “homossexual” ao invés de “bicha” e mais tarde se estendendo para outros como “deficiente físico” por “portador de necessidades especiais”, “gordo” por “sobrepeso” e diversos jargões que soem ofensivos e preconceituosos.

Apesar do termo “politicamente correto” ter surgido com Mao Tsé-tung nos anos 60 e referir-se a uma rígida conduta com a linha ortodoxa do Partido Comunista, hoje o termo é empregado como um manual de sociabilidade, se é que isso existe. Porém o fato é que o politicamente correto tem suas contradições e ela implica a própria liberdade de expressão. Se por um lado temos como preceito que somos livres para expressar opiniões, por outro o politicamente correto diz que nem tudo deve ser dito.

Dizer “sai da frente” ou “com licença” pode ter o mesmo efeito, porém são nitidamente diferentes. É exatamente isso que Charles Sanders Peirce, filósofo, matemático, físico e astrônomo que fundamentou a lingüística, quis dizer com a tríade da semiose que segue um modelo aristotélico. “Um signo (linguagem), seu objeto (escrita e a fala) e sua interpretação (entendimento)” compõe a estrutura da linguagem que Bertrand Russell complementa mais tarde como algo que tem existência própria, independente do sujeito ou de sua experiência, linha bastante parecida com uma das sumidades da lingüística, Ferdinand de Saussure.

Liberdade de expressão é um direito que está na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, claro, em nossa constituição. A liberdade de expressão é ligada diretamente ao conceito de democracia e a partir dele se tornou universal para todos os habitantes da terra. Os dois maiores exemplos de liberdade de expressão têm figuras mundialmente conhecidas. A primeira que vou citar é Sócrates, este ilustre pensador marcou o pensamento filosófico e norteia valores de hoje, isso no ano de 399 a. C. A liberdade de expressão de Sócrates custou caro para ele, que por defender sua palavra foi condenado à morte, tomando cicuta acusado de perverter a juventude e inculcar novos deuses. A morte de Sócrates nos mostra como exemplo de alguém que lutou pelo direito de defender seus pensamentos. A história de Jesus Cristo não é diferente, também morreu por defender seus ideais.

A liberdade é, sem dúvidas, uma das maiores conquistas do ser humano, e a modernidade deturpa seu sentido com a idéia de que a liberdade é poder fazer tudo. Mas isso não é liberdade, isso é, na verdade, egoísmo. E para confundir ainda mais o conceito, acredita-se que o limite é a negação da liberdade e, muito pelo contrário, não é isso. Hegel defende esta visão de maneira exemplar afirmando que delimitar é a maneira em que podemos gozar dessa liberdade com maior plenitude. Essa chave de compreensão abordada na obra “Princípios da Filosofia do Direito” nos mostra que a tese hegeliana sustenta que a liberdade é “querer o que se faz e não fazer o que se quer.”

O que pode ser complicado de assimilar é o respeito ao próximo. Digo isso porque instintivamente o ser humano tem a missão de estar acima do seu semelhante. Na verdade, semelhantes é sinônimo de concorrentes. O mundo dos Homens é uma eterna disputa, desde quem tem as roupas mais caras, o carro do ano, o sapato da última coleção, os amigos mais bacanas, o melhor lugar da fila, mais seguidores no Twitter, o smartphone da vez, o iPad 3.200 e por aí vai. A cultura fica infectada com um comportamento que não favorece nem a liberdade e nem o respeito, promove uma competitividade insalubre. Enquanto isso, notícias como gente que incendiou um índio porque “acharam” que ele fosse um mendigo, ou então o espancamento de numa empregada doméstica porque “acharam” que ela fosse uma prostituta e ainda a agressão que arrancou a orelha de um pai que abraçava seu filho porque “acharam” que os dois fossem gays continuam aparecendo nas manchetes, evidenciando a imaturidade intelectual que acontece como uma peste em nossa geração. O que é mais curioso é que essas barbáries aconteceram porque “acharam”, como se o fato deles “serem” justificasse tais atos, no mínimo, pré-históricos.

É de chocar-se com notícias dos recentes conflitos em Londres e também o absurdo da parada hétero que virou chacota para o resto do mundo e envergonha pelo ideal pequeno e mesquinho de uma luta por ‘igualdade’ infantil como criança mimada. Aliás, diga-se de passagem, eu nunca vi espancarem uma pessoa na rua por desconfiarem que ela seja heterossexual. O que eu quero é acreditar na visão de Cazuza de que o Brasil vai ensinar o mundo.

O interessante é que isso me lembra a visão de Huxley que se encaixa perfeitamente nesta questão. No livro Os Demônios de Loudun ele diz que em todos os níveis do ser humano, seja físico, psíquico e até moral, toda a tendência gera, automaticamente, a sua oposta. Quando executamos qualquer movimento, um grupo de músculos se estimula e os opostos ficam inibidos. Para a consciência a coisa funciona da mesma forma, cada “sim” tem uma força que evoca seu correspondente “não”, dessa forma somos tentados, ou pelo menos lembrados, que há um caminho subversivo.

Antes de perguntar se fulano é homossexual, ciclano é negro, beltrano é pagodeiro, pense que antes de tudo isso eles são seres humanos. Então, deixe eu falar filho da PUTA, desde que a puta não seja a sua mãe, e se ela for também eu não tenho nada que interferir na liberdade de escolha dela, se eu concordo ou não com a conduta dela este é um problema meu, mas devo-lhe respeito. A diferença entre o absurdo e a lógica está em aceitá-lo, somente isso. Liberdade tem ligações com responsabilidades que por sua vez é intrínseca com a reflexão. Acreditar que alguém é mais ou menos que você por raça, sexualidade, religião ou qualquer coisa do tipo nada mais é que uma instabilidade própria da auto-afirmação, e como um professor de uma amiga me disse “o preconceito não é racional, pois é sempre baseado em alguma avaliação emocional”, ou seja, pura insegurança.

*** contribuição - FOLHA PRESS

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