quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Queima de Arquivo

Chapeuzinho Vermelho era uma menina que um dia resolveu levar para avó, que morava no interior da mata, broas que sua mãe fez. Só que ela não sabia que a avó era alérgica a broas, então, um grande Lobo amigo da vovó, que não queria magoar a garota, se vestiu de vovó enquanto a verdadeira se trancou no guarda-roupa. O Lobo comeu as broas e Chapeuzinho Vermelho, sem desconfiar de nada, ficou feliz por ter levado os pães para a avó e todos foram felizes para sempre. A clássica história da Chapeuzinho Vermelho que ouvimos quando pequenos não aconteceu bem assim, não é mesmo? Se depender do Ministério da Educação, as próximas gerações ouvirão da mesma forma ‘diferente’ a história do país. A História do Brasil, segundo uma denúncia feita pelo jornal Folha de S. Paulo, edição do dia primeiro de maio, nos traz uma matéria cujo título é “Livros aprovados pelo MEC criticam FHC e elogiam Lula”. Lá, a reportagem aponta que o MEC (Ministério da Educação) aprovou livros de História para o ensino fundamental com os fatos distorcidos. A redação cita trechos e nomes dos livros aprovados que dão a veracidade ao título da matéria, indo contra ao compromisso do órgão ‘responsável’ (MEC) de que o conteúdo não deve conter doutrinação política.

Que quem conta um conto aumenta (ou omite) um ponto, não é novidade nenhuma, mas quando isso abrange a esfera educacional a coisa fica mais séria. A educação é o bem mais valioso de uma nação porque passa a fazer parte de uma referência cultural, tendo uma importância ideológica forte. Como educador não posso aceitar a relevância da história de uma sociedade diz respeito de sua relação com o mundo através da escrita, memória, tempo e trajetória e é ponto fundamental na construção de uma nação e seus valores, alterá-los é um crime intelectual que impacta na cultura e na formação dos jovens, ou seja, no futuro de um povo. O aprendizado do regime soviético e também dos nazistas (para citar os mais explícitos) mostra muito bem ao mundo como a informação pode manipular, e desses casos a história está recheada. Ao observamos a história da própria História podemos ver que ela sempre sofreu do mal de Alzheimer, que se esquece e modifica fatos desde a ditadura militar, ou então fatos como a segunda guerra mundial e outros tantos como os que transformam o exemplo de hoje similar ao que a ex-URSS fazia com a educação.

O co-fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci (referência do pensamento de esquerda no século 20 e quem desenvolveu o conceito de cidadania que vivemos hoje), acreditava que a escola era a principal entidade de transformação social. Para ele a verdadeira revolução só poderia ser feita pela educação e não pelas armas, guerra ou milícia. É através da infiltração gradual de conceitos na cultura, o que abrange escolas, igrejas, imprensa, universidades, e meios de interação social, que se pode transformar ideologicamente uma nação. Estratégia essa parece estar sendo adotada pelo governo brasileiro que está agindo de forma totalitária na formação dos cidadãos. Os novos livros de história deturpam os fatos favorecendo o PT, atualmente no poder, e desmerecendo outros governos anteriores à gestão do país.

Algumas dessas diversas releituras vistas no livro “História e Vida Integrada”, por exemplo, apontam o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) enumerando apenas os pontos negativos como, como crise cambial e apagão, e traz críticas às privatizações. O fim da gestão FHC aparece no tópico “Um projeto não concluído”, que lista dados negativos do governo. Por fim, diz que “um aspecto pode ser levantado como positivo”, citando melhorias na educação e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao falar do Lula o livro cita a grande “festa popular” da posse e diz ele “inovou no estilo de governar” ao criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O escândalo do mensalão é citado ao lado de uma série de dados positivos, tendenciosamente colocado. O professor Claudino Piletti, co-autor do livro “História e Vida Integrada”, da editora Ática, concorda que sua obra é mais favorável ao governo Lula. “Não tem o que contestar”, afirmou.

A questão de longe é política, não devemos confundir o sentido partidário da informação com uma questão tão rasa. O assunto abrange a esfera filosófica por envolver a formação de um cidadão. Política e filosofia sempre se encontraram, mas não se bicam tanto, Platão que o diga. O mais interessante é que o episódio dos nossos atuais livros de história escritos à moda soviética, fazendo nossos jovens engolirem propaganda política ao invés de conhecimento, suscita uma obra clássica de ficção escrita em 1949. George Orwell escreveu um livro chamado 1984, que retratava uma visão futurista do mundo. Seu romance anti-utópico retrata a vida de Winston Smith, que trabalha no Ministério da Verdade e tem a função de reescrever e alterar dados históricos de acordo com interesses políticos. A arte imita a vida, e a vida ainda surpreende a arte.

A política sabe que a educação é alicerce de um povo, mantê-la precária é sustentar-se no poder. “Os males não cessarão para os homens, antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder”, são as palavras de Platão na Carta VII de A República. Este tipo de atentado intelectual transforma o que vivemos hoje, a Idade Mídia (Século XXI), em Idade Média (século XIII), trazendo de volta a inquisição, colocando na fogueira a verdadeira história do Brasil.

O que não podemos admitir é que se reescrevam a história que vivemos do jeito diferente do que vimos que despreze; nós que somos testemunhas vivas da história do Brasil. Não podemos aceitar que se banalize ainda mais a educação que sofre ainda com termos advindos da ditadura militar, onde temos “disciplina” como nome das matérias de ensino, “grade” como conjunto das mesmas e que os alunos precisam dar uma “prova” de que são capazes. Precisamos aguardar e ver o que a Procuradoria-Geral da República irá dizer sobre o fato. A retirada dos livros de circulação e tipificação dos crimes aos responsáveis são de máxima urgência, se ainda há moral e compromisso com a ética no Ministério da Educação, o caso deve ser visto com prioridade para que a verdade seja o centro da formação do futuro do Brasil.

Só falta agora os livros suprimirem Janari, Barcelos e Capiberibe (pai) dos rotineiros da ocupação do Setentrião, só pelo simples fato de não terem agradado a todos, quer seja por indicação durante a ditadura ou por simplesmente terem em algum momento esquecido de que governavam para o povo.


*** Contribuição - A CRÍTICA

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