segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A lição da dona de casa


Um exemplo muito utilizado como padrão de gestão institucional nas aulas de Economia I e II é o da dona de casa. Caso bem justo de adaptação a um processo de administração sob a ausência constante de superávit econômico. Pode até parecer estranho que um exemplo dessa natureza seja utilizado na formação de futuros economistas. Afinal as donas de casa na sua maioria não tem formação técnica ou acadêmica para fazer sua gestão, são mesmo autodidatas na arte de fazer as economias do lar durar elasticamente ao longo do mês.

O leitor deve estar se perguntando aonde se quer chegar com esta digressão. Mas na verdade vamos utilizar o exemplo da dona de casa para ilustrar um caso muito peculiar. A administração do dinheiro público.

Se tivermos uma dona de casa que administra um orçamento de um mil reais/mês, tendo as despesas delimitadas não em percentuais; pois as despesas domésticas na sua maioria são flutuantes, ou seja, oscilam em valor conforme a sazonalidade do período administrado; mas sim em valores em espécie. Mesmo assim elas carecem de um verdadeiro poder malabarístico para gerir um orçamento que não é flutuante, pois a fonte de receita sofre descontos fixos, como INSS, Vale Transporte, Contribuições Sindicais e outros descontos, não programados, como faltas/atrasos e adiantamentos.

Partindo desse princípio, podemos fazer um rol de despesas-padrão, como energia elétrica, telefonia, água, educação (materiais e despesas eventuais), alimentação e conservação e caixa de despesas não programadas, como saúde (pois não há recursos para ter um plano de saúde privada), em medicamentos e tratamentos complementares, transporte (não possibilitando deslocamento para o lazer), vestuário (somente em determinados períodos) e investimentos simples (geralmente caderneta de poupança).

Sabe a dona de casa que seu diminuto orçamento tem um comprometimento fixo de 78%, e somente os 22% restantes servem aos malabares atos da administração. Ela sabe também, que algumas de suas despesas são fixas e por isso pode planejar seus gastos nessas obrigações como sendo comprometimento da sua receita e nem contar com eles daqui a diante, pois o valor reservado é suficiente para arcar com as tais despesas fixas.

Vamos supor que um plano de reajustes salariais milagroso tenha elevado substancialmente a receita dessa dona de casa. Neste momento a economia doméstica e a Administração das finanças públicas sofrem ao mesmo tempo uma bifurcação e logo a seguir uma intersecção de seus caminhos.

Enquanto que a dona de casa redireciona seus recursos para suprir as necessidades não cobertas anteriormente pela ausência de recursos, como: Saúde, educação e aumento da qualidade de vida familiar em virtude do superávit da receita líquida. Já a Administração Pública que destina às suas obrigações, não valores específicos aos gastos que não são oscilantes, como folha de pagamento e despesas operacionais; mas sim em percentuais, que podem flutuar em virtude da arrecadação. Gerando um repasse superdimensionado para cobrir uma despesa fixa.

Como parâmetro à lição da dona de casa, podemos ilustrar a política de repasse dos recursos entre os poderes estaduais. O Executivo faz o papel de gestor da divisão de recursos e repassa percentuais exigidos por lei, tanto para o Legislativo quanto ao Judiciário. Sendo assim, se o Estado arrecada 1 bi e tem que (em tese) repassar 20% ao Legislativo e 20% ao Judiciário, sobram-lhe 600 mi para gerir as ações executivas.

Mas em uma possibilidade real de déficit na arrecadação (e isso tem ocorrido) o percentual acompanha o decréscimo de receita, assim como o contrário também é real, pois em um superávit (e isso também tem ocorrido). Em ambos os casos é de se pensar que em um déficit, o poder destinatário teria dificuldades de caixa, mas isso não ocorre, pois o percentual mesmo com o menor déficit registrado ainda assim é suficiente para a expectativa de gastos.

O mais fantástico de tudo isso é que tanto em déficit quanto em superávit os poderes que recebem repasses, não têm prejuízo com a oscilação receitaria, enquanto que o poder repassante tem que fazer os malabarismos da economia da dona de casa.

Fica a pergunta: Por que estes repasses não podem ser feitos em valores de gastos fixos? Afinal para que serve a sobra de caixa em instituições que tem orçamento fechado e não fazem obras ou benefícios públicos a não ser para sua própria funcionalidade?

O resultado é que na fartura, os poderes se comportam como qualquer família comum, em detrimento a investimentos de qualidade de vida, simplesmente aproveitam a sobra de caixa nos tempos das vacas gordas, para aumentar a opulência de seus próprios poderes que em nada contribuem à coletividade.

Veja o resultado disso, em: Diversos auxílios para parlamentares e magistrados: verbas indenizatórias, veículos luxuosos que mais servem para o conforto e ostentação do usuário do que para sua locomoção ao espaço de trabalho e outras excentricidades bem duvidosas. Sem contar com um poder que nenhum outro servidor goza. Em um momento de fartura, aumentar os próprios salários.

Mas ao contrario da dona de casa que em momentos de arroxo, corta tudo o que não é essencial para manter a economia doméstica mesmo que em níveis mais baixos do que os da zona de conforto e equilíbrio. Os poderes não tem a mínima sensibilidade com a ausência de caixa dos repasses, já que mesmo com as vacas magérrimas a ponto de estar na pele e osso literalmente, continuam com os gastos como se nada estivesse errado.
Pura ideologia do império romano. Gaste mais e quando faltar aumente os impostos. Afinal; pra isso existe o povo...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...