sábado, 12 de dezembro de 2015

Falta de parlamentares e índios de verdade

Em 116 anos desde a proclamação da República o Brasil só teve um parlamentar indígena: Mario Juruna. Desde então nunca mais foi “Dia do Índio” no parlamento, mas os “caciques” continuam por lá em pé de guerra.

Juruna que no finzinho da década de 70 se tornara conhecido por empunhar um gravador onde registrava as falsas promessas feitas por altos funcionários do governo.  Dizia: “homem branco mente muito!”. E com o passar dos anos parece que a coisa não mudou nada, afinal todos os dias vemos os parlamentos, não só do Congresso Nacional, mas dos estaduais, a exemplo do nosso Amapá, em ações nada republicanas.

Amiúde, as coisas não têm mudado muito de lá pra cá, parlamentares enchem de vergonha os eleitores que lhes confiaram seu bem democrático mais precioso: o voto. E a retribuição vem em forma de “mensalão”, “mensalinho”, “jaraquis” e “jabás”, acompanhados de toda a sorte de balangandãs ligados à má versação do erário divulgados amplamente na mídia.

No caso de Juruna em sua pudica inocência, até que incomodou tanto que acabou eleito deputado federal pelo PDT de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, com mais de 30 mil votos, nas eleições de 1982.

Estando no Congresso; tentaram de todo o jeito ridicularizá-lo e de transformá-lo num bufão. Jô Soares, em seu programa humorístico na Globo, logo criou um índio que mal sabia falar o português para que os telespectadores rissem dele. O general João Baptista de Figueiredo, último presidente militar, foi o primeiro a rosnar contra Juruna, dizendo que o Rio de Janeiro só tinha eleito “índios e cantores de rádio”.

Juruna reagia: “Quem não tem consciência, me trata como objeto, me trata como boneca. E quando eu passo aqui dentro de plenário e alguns companheiros à frente de mim e diz cara emburrada é ridículo. Eu não vim aqui fuxicar com ninguém, eu vim aqui pra trabalhar, pra defender povo, eu vim aqui pra lutar. Eu quero que gente começa a respeitar nome de Juruna”.

Mas não deu outra, o brasileiro não leva a sério quem não tem cara de europeu e fica bem de terno e gravata. Com isso o líder xavante que fora convencido a entrar na política por Darcy Ribeiro, que denunciou a campanha contra o índio-deputado feita sobretudo pela imprensa que achava mais bonito o biótipo do politico empertigado do que do índio parlamentar.

Com certa dose de inocência por não saber como as mazelas do parlamento conseguem enodoar o coração de um homem, Juruna foi massacrado por tentar ser um parlamentar dentro que aquilo que se espera eticamente do cargo. A oposição era tão escancarada que até a imprensa mais respeitável do país (à época), a exemplo do Jornal do Brasil, mantiveram durante anos, uma campanha sistemática de desinformação contra o deputado Mário Juruna, através dos procedimentos mais antiéticos, indignos da sua tradição jornalística.

No dia da sua posse como deputado, em março de 1983, Juruna foi aplaudidíssimo, mais até que Ulysses Guimarães. Decidido a só fazer seu primeiro discurso no Dia do Índio, resolveu falar uns dias antes apenas para reclamar das alfinetadas de Figueiredo. “Estou muito revoltado. Este presidente da República tem que fazer serviço para garantir emprego ao povo brasileiro e não para fazer campanha de calúnia contra as pessoas. Eu sou contra a repressão, contra a violência e também contra a mentira e a sujeira. O presidente não pode falar besteira, que é contra a eleição, que é contra mim, o governo federal quer ganhar eleições em todos os Estados do Brasil, mas ele não vai ganhar a consciência do povo, do homem carecido. O presidente não pode meter o pau em nenhum companheiro, em nenhum deputado. Ele que salve o Brasil”.

No dia 19 de abril, como prometido, subiu à tribuna e voltou à carga, valente, criticando os ministros do governo militar e pedindo sua demissão. Em setembro de 1983, iria além e chamaria os ministros de ladrões. “Todo ministro é a mesma panelinha, é a mesma cabeça. Não tem ministro nenhum que presta. Pra mim todo ministro é corrupto, ladrão, sem vergonha e mau caráter. Não vou dizer que todo ministro é bom, legal e justo. Vou dizer que todo ministro é do mesmo saco que aproveita o suor do povo trabalhador”.


Figueiredo, furioso, chegou a pedir a cassação de Juruna, mas o deputado acabou recebendo apenas uma censura por parte da Mesa. Em 1985, Mário Juruna denunciaria a tentativa de Paulo Maluf de comprar seu voto no colégio eleitoral. Devolveu o dinheiro e votou em Tancredo Neves. Desgostoso com a política após não conseguir se reeleger em 1986, Juruna morreu em 2002, vítima de diabetes. O único índio deputado morreu pobre e esquecido, mas não se vendeu!

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