quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A síndrome de Casa Grande & Senzala

Na maioria das vezes temos uns insights não muito coerentes com as ideias do pensamento politicamente erudito ou correto, até mesmo pouco ortodoxos para muita gente, mas as finas observações em um meio são sempre grandes mudanças de perspectiva, forço-me sempre que é esse pensamento lúdico que me deixará sempre distante da vida social dos babuínos. Afinal a linha que nos separa é tênue e volta e meia requer remendos às vezes involuntários e instintivos.

Alguns anos atrás, ao visitar, no Rio, uma exposição que não me recordo o nome, mas versava sobre o vestuário do Brasil antigo. Um visitante ilustre comentou comigo algo assim: “É muito interessante perceber como a moda brasileira se divide desde os seus primórdios entre a moda feita na imagem da Casa-Grande e a que é feita na Senzala. Deste momento então passei a ver as coisas de uma ótica colonialista, onde pau de arara e chibata são itens comuns do dia a dia, embora nem percebamos o seu uso diário.

Mas longe de qualquer maniqueísmo e esquematismo radicais e mais longe ainda dessa observação parecer pejorativa para ambos os lados, ela desenha muito da mentalidade brasileira: uma que se liga com a exuberância da ancestralidade européia e outra que se desnuda na ancestralidade africana. Existe um nome em astrologia que gosto muito e serve para o que acabei de descrever: opostos complementares. Uma se preenche com a outra e ao mesmo tempo se opõe.

Assim é e sempre será a vida cotidiana do amapaense. Um eterno vão separando um universo dicotômico, onde uma das divisões sempre ocupará o papel senhorial na casa grande e de vez em quando se revezará com o outro lado nas atribuições mucamescas. Talvez essa rotina social seja a grande responsável pelo processo da indecisão constitutiva entre o moderno e o atraso, entre o gentil e o violento. Lembro-me de uma vez ter ouvido do saudoso Drummond a definição de um quadro semelhante: “esses dois polos contrários como irmãos gêmeos, amarrados, desencapando os dois fios e fazendo ligação direta entre eles”.

Mais uma vez não se dão conta de que o efeito Casa Grande e Senzala se instala em suas vidas, tornando-se comum, tão comum que às vezes acabam tomando a vida de cada um e acomodando-os em uma situação que muito colabora ao conformismo e até mesmo a uma falsa sensação de proteção paternal, que aliada à poderosa mão do quarto poder, cria uma mistura sociológica impar em qualquer região do Brasil, quiçá do mundo. 

Apesar das questões complexas nessa separação, podemos identificar o primeiro grupo citado na comparação com a Senzala, fazendo certas concessões e o segundo com a Casa Grande. Mas existe um terceiro grupo que na opinião ideologizada e de suma e maior importância e em minha opinião do mesmo porte ideologizada considero que é da mesma importância e medida que os outros, sendo que em muitos casos acabam sendo comparados aos moradores da Casa Grande ou amotinados nas Senzalas de acordo com o ponto de vista dos verdadeiros elementos desses conjuntos.

São as mucamas, e escravos de obra que frequentavam a Casa-Grande e que faziam o trânsito entre a Casa-Grande e a Senzala. Sim, ainda aparentemente esquemático, pensar nessas três moradas no Brasil e o pensamento que rodeia cada uma delas, facilita o entendimento que o crítico e o apreciador das ações da sociedade colonizada, dos seus limites e das suas rupturas. Mas isso é assunto muito longo e remete a tantos entendimentos, que nem vale a pena aprofundar...

3 comentários:

  1. Já ouviu falar em ponto em seguida? Melhorias

    ResponderExcluir
  2. Prezado Pádua,

    Os textos são escritos dentro das normas gramaticais brasileiras e em nenhum momento tentam se desvencilhar deste vernáculo. O ponto em seguida está presente dentro da construção da interrupção breve de uma sentença continuada e deve ser colocado a critério do autor de acordo com a aglutinação e desenvolvimento textual das ideias. respeitando esta colocação gramatical. Obrigado pela visita.

    Um grande abraço
    Equipe do Coisas da Vida

    ResponderExcluir
  3. Ei, Charles! É o Miguel Gil! Gilberto Freyre é um bom produtor de inteligibilidade para se pensar, agir e repensar as relações histórico-culturais brasileiras.
    Pessoalmente, acredito que a tese de Freyre é interessante, mas um pouco pesada demais, sendo incoerente com o grande fluxo do cotidiano brasileiro.
    Mas voltando aos modelos de relações humanas (homem e mundo; estado e cidadão e etc.), acredito que esses padrões mais verticalizados ou mais horizontalizados têm relação direta com a fragilidade de uma das partes. Ou seja, quanto maior a discrepância de poder entre as partes envolvidas, mais verticalizada é a relação; e quanto menor a discrepância de poder entre as partes, mais horizontalizada é a relação.
    Trazendo para a nossa realidade, aí no Amapá, pode-se dizer que as relações são essencialmente verticalizadas, pois temos uma economia fragilizada que gira em torno do poder público.
    Isso foi o que consegui entender do teu texto. Ainda sobre o teu texto, mais especificamente a crítica que o Pádua fez, eu acredito que o fluxo narrativo é ditado pelo autor, que lança mão de recursos formais (sintático e semânticos) para se fazer entender.
    Lembrando que esses recursos formais têm suas raízes no mundo vivido. Não servindo, portanto, como organizadores desse mesmo mundo vivido.
    Como exemplo, podemos citar uma narrativa de Saramago que é muito mais fluída (o garoto português chega a escrever um parágrafo como mais de uma página); e uma narrativa de Proust, que faz uma distorção temporal, criando um texto cheio de apostos e detalhes.
    No mais, o texto me agradou.
    Um abraço e até a próxima!

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...