domingo, 1 de janeiro de 2012

É que Narciso acha feio quem não é ele mesmo

O espírito de liberdade é essencialmente avesso a quaisquer fanatismos. Sendo ânsia de liberdade, não pode querer dogmas, nem disciplinas, nem mandamentos humanos ou divinos e, muito menos, inquisições, santos-ofícios, índices e autos-de-fé. Pregando o trabalho livre, o pensamento livre, o amor livre, a ação livre, não aceita nenhuma limitação às faculdades intelectuais ou emotivas, nem reconhece bitolas, cremalheiras, pauta, à exteriorização de ideias ou sentimentos. 

Só o indivíduo tem o direito de dirigir seu raciocínio, regular sua linguagem, enfrentar seu estilo, moderar seu juízo, orientar sua ação. Os ideiais de liberdade combatem a todo transe o despotismo de qualquer feição, o feitorismo de toda casta, tudo quanto lembre autoritarismo, chefia, canga, subserviência, dominação física, mental ou moral. Assim, repele o regime carcerário do capitalismo, condena as fábricas de doutores, padres, militares, homens vazados num molde único, manequins talhados num só modelo, títeres cujo enchimento é a mesma palha seca e dissubstânciada. Só o indivíduo conhece os seus caminhos. Impor, ao que pende para o norte, a marcha para leste, é roubar-lhe o destino, a vida, a personalidade. Esses princípios, não é ser anarquista, aplicamo-los rigorosamente na luta pela emancipação dos homens. E, dizendo "dos homens", firo um ponto essencial do anarquismo, por isso não posso sê-lo.

Acima da mera emancipação econômica, está certamente a emancipação moral e mental. Cumpre arrancá-los à tutela dos guias, políticos ou religiosos; e à tirania das "morais", criações de opressores para fanatizar escravos. Destarte, não compreendemos um revolucionário cuja ação promana de uma servidão. Como instituir um regime livre se não nos desvencilhamos das algemas tradicionais? Como pretender uma vida livre, se vivemos impondo regras e ouvindo ordens que mesmo obtusas, são cumpridas? Como desejar o homem "pôr si", habituando-nos, a nós e aos outros, a disciplinas vexatórias, censuras obsoletas e punições degradantes? Mal compenetrados dessa concepção de liberdade, isso não é ser anarquista nem pensar anarquicamente, isso é ser livre de pensamento, sem sectarismos, sem dicotomias, sem essa brejeirice maniqueísta.

Todos esses ataques e lamentações atuais pelos quais a população tem passado revelam a tendência sectarista milenarmente entranhada nos homens. Por mais que estudemos, aprendamos, eduquemos o espírito, a pressão tradicional é tão forte, o meio ambiente, todo dogmático é tão rígido, que dificilmente conseguimos nos safar dessas determinantes poderosas. Pessoalmente, ao contrário, vejo nessas várias tendências anárquicas o melhor sinal de vida do anarquismo. Todos os homens não podem ver as coisas do mesmo modo, nem resolver os problemas pelo mesmo processo. A transformação social é um problema com soluções múltiplas.

Seja, pois, cada tendência livre na execução do seu modo de entender a solução final. Todas as águas afluentes irão dar na mesma foz. O verdadeiro anarquista, penso eu, aquele que se libertou totalmente do preconceito sectarista, colabora em todos os grupos, atua em qualquer tendência, mas não se integra a um conjunto de regras sociais que enfim são necessárias a condução da espécie. 

Vamos sonhar, vamos ter a vaidade que nossa natureza nos deu, afinal somos homens e mulheres. Não vamos conseguir mudar isso por mais espelhos que existam no mundo para provar algo incontestável... Nossa extinção não se dará por algum evento cataclísmico, mas sim pelo preço de nossa vaidade em desde a mordida da maçã, querermos nos equiparar a Deus...

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